“Lá” não é um sítio místico, a segunda parte nominal de Shangri-La, ou sequer a nota musical. “Lá” é aquele ponto específico em que tudo está bem, que dá um arrepio pelo corpo todo e que nos deixa sem respiração durante uns instantes. Não, não é isso, isso que estão a pensar são pontos erógenos, e ainda que alguns destes pontos (como o afamado “G”) possa também ser “lá”, não é bem o “lá” a que nos referimos, porque é isso tudo menos a sensação orgásmica no fim. O “lá” onde Yooka-Laylee quase está é aquele sweet spot como dizem os anglófonos em que o equilíbrio entre a nostalgia, a homenagem e a modernidade está feito na perfeição.

Existe uma passagem cíclica pelo retro, e esse comboio já passou por tantas estações e apeadeiros que parou recentemente na Gare da N64, onde vemos um verdadeiro regresso ao passado com alguns jogos a serem desenvolvidos nos dias de hoje a prestar culto a esse período e/ou apenas a fazer cash in no aspecto retro.

Um dos expoentes máximos desta “geração” foi indubitavelmente Banjo-Kazooie, que numa segunda linha de destaque em relação a N64 demonstrou o que se poderia fazer de qualidade nos platformers 3D. Yooka-Laylee é um sucessor espiritual dessa série da Rare, já que é um projecto desenvolvido de forma independente por um conjunto de developers da companhia britânica que estiveram envolvidos na criação dos jogos da N64. O sucesso da campanha de Kickstarter que o estúdio Playtonic Games teve foi realmente surpreendente, com o seu valor de desenvolvimento a ser alcançado nos primeiros trinta e oito minutos da campanha.

Yooka-Laylee recria na perfeição esse ambiente nostálgico. Se Banjo-Tooie nunca tiver uma sequela, Yooka-Laylee servirá perfeitamente para fazer essa ponte emocional entre os jogos da N64 e os dias de hoje, respondendo com prontidão e eficácia a essa necessidade.

Os concepts e o desenvolvimento de todo o elenco viajam na montanha-russa de loucura cartoonizada do final dos 1990s. Desde os dois protagonistas Yooka, o simpático camaleão e Laylee, o tresloucado morcego, passando pelo genial vilão Capital B e pela cobra vendedora de poderes/burlona de venda de carros de serviço Trowzer, os personagens são todos memoráveis, tornando até as boss fights como algo que nunca esqueceremos, tanto pelas figuras que temos de combater como pela forma como o fazemos.

Yooka-Laylee é em muitos sentidos um jogo de N64 que teve os seus gráficos desenvolvidos para o mercado actual. Aliás, grande parte do esplendor visual é este compromisso entre aquilo que é a direcção artística da época e as capacidades actuais trazidas pelo Unity, tornando quase todos os cenários que o compõem quase sempre maravilhosamente surpreendentes.

Capital B roubou todos os livros do mundo, mas um deles em especial que era pertença de Yooka e Laylee precisa de ser recuperado: o tomo dourado que guardavam religiosamente e cujas páginas se espalharam ao longo de cinco mundos distintos. Para abrir esses mundos temos de conseguir encontrar o livro que nos “abre” esse mesmo mundo (metafórico e literal in-game, eu sei) pagando Pagies como moeda de desbloqueio de nível.

Em muitos aspectos Yokka-Laylee é um metroidvania. O mundo está completamente aberto desde o início mas ainda não possuímos as habilidades que nos permitem saltar até determinada plataforma, subir rampas, ou interagir com algumas criaturas que servem de bloqueio. À medida que vamos explorando cada mapa e coleccionando Ghost Writers (pequenas penas flutuantes) que servem de coleccionáveis e de moeda de troca com Trowzer que nos dá poderes e habilidades.

Os mundos são bastante grandes, tão grandes que a sua construção labiríntica nos deixa completamente perdidos na maioria das vezes. Sem os mui-moderninhos e mui-facilitadorzinhos dos mapas interactivos, a única forma de navegação e orientação que temos em Yooka-Laylee é a nossa memória. Vimos uma Paigie num local previamente inacessível, mas agora temos a possibilidade de planar com Laylee. Mas onde é que ela estava? E lá vamos nós a escalar construções e level design de uma complexidade e inventividade tal que a linearidade foi atirada para canto, só para tentarmos encontrar aquele tal sítio que vimos mas que não conseguíamos chegar.

Apesar de Yooka-Laylee ter “apenas” cinco mundos, é-nos possível fazer um upgrade a cada um deles pagando, adivinhe-se, Paigies, que aumentam a sua dimensão e revelam áreas previamente inexistentes, como se as novas páginas do livro do mundo fossem complementando a história que lá está a ser contada. “Como” não, é mesmo esta a metáfora e o paralelismo conceptual em torno da forma como o hub world funciona.

No início disse que Yooka-Laylee estava quase “lá” e a muito disso se deve a quão próximo está de ser um jogo de N64, em que esta fidelidade é simultaneamente uma bênção e uma maldição. A começar pela câmara que é terrível. No nosso mindset de 2017, é normal que assumamos que o controlo de câmara pudesse estar ao nível pelo menos dos melhores jogos da época, ou, quem sabe, o standard actual. Mas não. A câmara de Yooka-Laylee é realmente atroz e prejudica em muito aquilo que é verdadeiramente essencial num 3D platformer: o ângulo de visão. Seja pela posições perfeitamente ridículas que esta assume, seja decisões de mudar pontos de vista em sequência apenas porque sim, um dos maiores golpes que o jogo sofre para não está “lá” é este, um pecado capital que um jogo do género não pode incorrer.

O texto e os diálogos são descontraídos e humorísticos, e até percebo a decisão sonoplástica de por cada personagem a entoar palavras ininteligíveis em repetição, e ser o texto escrito a trazer a “leitura” apesar desta roçar a irritação por vezes. Mas a impossibilidade de fazer skip aos diálogos é verdadeiramente irritante, especialmente quando vamos na vigésima tentativa de derrotar um boss e temos de reler as suas frases sempre, sem qualquer interrupção. Ou isto era uma pitada de sal para a nossa frustração vindo dos devs, ou parece-me que poderia ser algo tão rapidamente resolvível.

Apesar das falhas e de na prática não ser tão bom quanto eu desejaria que fosse, especialmente porque os óculos da nostalgia nos enganam mnemonicamente em relação às experiências do passado, Yooka-Laylee divertiu-me genuinamente e enfureceu-me pela sua câmara e por me sentir perdido nos níveis, que é algo que a evolução do mercado foi impedindo na última década.

Yooka-Laylee está quase “lá” naquele ponto de excelência em que pouco haveria a dizer para não lhe por uma legítima coroa de louros na cabeça. Mas o extremismo de tentar ser o mais fiel possível ao material original acabou por ser uma espada de dois gumes, e levou a um enfraquecimento do seu lançamento final. Não sei se alguns patches conseguirão resolver estes pequenos grandes problemas, mas aguardo com expectativa.

Fica um muito bom 3D platformer que tinha quase tudo para ser um excelente jogo e estar definitivamente “lá”. Mas não está.