Bairro Alto, Dezembro de 2014

: Epá sim, o episódio da mosca é terrível. Mas sabes que todas as séries têm um episódio da mosca?

Eu: Como assim?

: Sim, quando dizes que o episódio da mosca do Breaking Bad é mau! As séries têm orçamentos e inúmeras vezes têm de redigir filler episodes. Nesses episódios não há grande progressão e o orçamento é limitado, portanto, regra geral, restrigem-se a uma sala e montes de conversa.

Eu: Hmmm…

Devido a motivos de força maior (Shin Megami Tensei: Persona 5) a minha participação no Rubber Chicken Games tem sido (to say the least) limitada. Não é por mal, não é por falta de vontade de escrever, é porque ser jogador tem destas coisas. Há jogos que nos consomem de uma forma que nos inviabilizam emocionalmente a fazer outras coisas. Até ler o mais recente artigo do Ricardo Correia que não só descreve o seu percurso na sua jornada de quatro (puxa!) anos por estas bandas é que entendi que, provavelmente, não preciso ter jogado muitos jogos para ter algo de interessante para dizer nem parar de escrever é prova do contrário. O meu percurso nesta casa é curto quando comparo o meu legado ao das outras pessoas, mas ao mesmo tempo sinto que tenho muito a dizer. Não só do meu legado como da forma como escrever nesta casa me fez olhar para os jogos de vídeo de uma forma diferente.

Confesso aqui uma peculiar característica minha: no que toca a música, ouço de tudo um pouco e gosto muito de cada um desses pequenos pedaços de tudo. Confesso que é um problema quando, numa saída me perguntam o que eu gosto de ouvir: na verdade, superficialmente, em nada a minha resposta me diferencia de alguém que tem uma relação perfeitamente saudável com a música, limitada àquilo que a rádio e os amigos mostram e àquela banda ou outra de quem seguimos religiosamente o seu trabalho, mas a minha é diferente. Não porque tenha problemas em fazer o meu ego passar nas portas, porque me orgulho e me divirto com as coisas que ouço. Porém, esta postura leva-me diversas vezes a sítios estranhos, onde a estrutura não é consistente ou a agressividade para com os nossos canais auditivos transborda, tornando-se desconfortável. Não para mim, mas às pessoas que mostro.

Escrever para o Rubber Chicken trouxe-me, sem margem para dúvidas, muito. Mais que isso, difícil seria dizer que isso que me trouxe se cinge aos videojogos. Há pouco mais de um ano caiu-me um jogo entre mãos, para avaliar, que me fez não só olhar para os videojogos de uma maneira um bocadinho diferente, tal como tantos outros mas, desta vez, com mais intensidade.

Num Vamos jogar acompanhado pelo homem por detrás deste jogo, este refere que o seu jogo nada tem que o faça inerentemente divertido: nem nunca foi o propósito que lhe quis atribuir. Segundo a sua óptica, os jogos têm de ser interessantes, fazer coisas interessantes e muitas das vezes é isso que permite avançar o estado da arte: não a busca por fazer melhor aquilo que os jogos tentam fazer (entreter) mas sim perceber o que de novo podemos fazer, o que funciona, não funciona e o porquê de funcionar ou não funcionar. Olhar para um meio onde existe uma linguagem estabelecida, entender as raízes dessa linguagem e iterar sobre ela desde essas raízes, em vez de construir sobre ela. É isso que atribui classe e elegância a um jogo (dentro de tantos outros) que não contém um traço da língua inglesa (exceptuando os audio logs opcionais espalhados pela ilha): o determinismo dentro do livre arbítrio e o livre arbítrio do jogador que deverá ser enviesado para o determinismo. É a isso que chamamos design e é isso que este jogo tem de interessante. Poderia ser algo completamente diferente: desde a destreza em conceber o aspecto visual de um jogo, novas formas de interagir, perceber como as mecânicas podem transmitir mensagens (tal como uma linha de diálogo ou expressão facial). É isso que vejo em The Order 1886, o novo take na UI de turn-based RPGs de Persona 5 e nos jogos do Ueda (#ShamelessNamedropping). É isto que procuro nos videojogos.

Da mesma forma isso se aplica a mim e à visão que tenho sobre o mundo: em vez de olhar para, por exemplo, a música com o ponto de vista de ‘o que me podem mais trazer de que goste?’, porque não olhar com o ponto de vista de ‘o que é que a música me pode trazer de interessante?’ e ‘que estou a perder devido às convenções já estabelecidas?’. Acho que é isso que encontro nesta que, para mim, está a ser a melhor altura para os videojogos de sempre, como encontro nos filmes do Charlie Kaufman ou do Edgar Wright e na música dos Battles ou de John Zorn.

Resta agora entender o que é que este portal para uma nova forma de olhar para os videojogos me pode trazer mais. Quando me estão quase a convencer de que não há mais nada, de que o poço secou, haverá sempre mais um novo jogo que me irá pedir para ser olhado de forma diferente. Pelo menos, por enquanto, é assim que tem acontecido.