Inspira. Expira. Inspira pó. Expira memórias. Inspira Twin Peaks. Expira Stranger Things. Stories Untold é como se Leisure Suit Larry abandonasse a sua abordagem leviana e divertida e se cruzasse com a inquietação e a loucura opressiva de H.P. Lovecraft.
O jogo apresenta-se como uma aventura em modo texto recheada de terror psicológico. E fá-lo criando todo um universo de nostalgia onde quase é possível cheirar a madeira do chão e sentir o toque das teclas do nosso Spectrum. O conjunto de histórias por contar está dividido em quatro. Procurarei desvendar o mínimo possível destas para não vos privar do imenso gozo da descoberta. O jogo arranca num quarto, com uma luz ténue. Uma televisão antiga, um Spectrum, perdão, um “FUTURO”. Ao premir de uma tecla, o célebre grilar eléctrico do carregamento de videojogos em cassetes enche o quarto, à medida que a imagem de título aparece. A riqueza do cenário contrasta com a simplicidade da acção que se desenrola a seguir, em que os velhos text-based games nos obrigavam a escrever. “Look around”. “Open Door”. “Get out”. O teclar é acompanhado do rítmico clique mecânico das duras teclas do nosso computador.
Tudo parece um normal e confortável regresso ao passado, por entre doces memórias familiares. Até que deixa de o ser e, de mão dada, somos gradualmente arrastados para uma inexorável descida à loucura, como se um guião de The Shining se tratasse. O jogo mistura-se com a realidade da nossa personagem e a sucessão de histórias, da loucura caseira à gélida distância de uma estação no Árctico, transporta-nos através de uma série de sensações inquietantes e opressivas. Dei por mim a relembrar Stephen King, Dan Simmons e Lovecraft em vários momentos, o que representa mais uma bela acha para a fogueira da nostalgia que emana não calor, mas uma aragem glacial capaz de arrepiar a cada inspiração.
Os restantes episódios, que não desvendarei aqui, puxam o fio e atam o laço final a embrulhar uma peça a roçar a perfeição – salvo alguns problemas técnicos que nos forçaram a rejogar algumas histórias, devido a crashes – misturando géneros num círculo viciante que é, também, um ciclo vicioso que nos força a avançar, como se coçássemos uma comichão no braço apesar de este já estar em ferida, continuando a coçar com os dedos embebidos em sangue.
Stories Untold é uma daquelas pequenas pérolas obrigatórias a um preço bem convidativo. Convidamo-vos a mergulhar na loucura.