A Valve é uma empresa peculiar. Com um calendário de lançamento de jogos espaçado, a verdade é que a qualidade dos que lança está quase sempre lá em cima. De Half-Life a Left 4 Dead 2, o sucesso faz quase sempre parte do cardápio. Paralelamente a isso, tem o maior sistema de distribuição de conteúdo digital para videojogos, o Steam e, no que diz respeito a eSports, domina metade daqueles considerados Tier 1, ou seja, os que mais público e dinheiro movimentam.
Refiro-me, claro, ao Counter-Strike: Global Offensive e ao Dota 2. Está prestes a fazer um ano que escrevi por aqui um artigo sobre o The International 6 e o seu Battle Pass. O The International é uma espécie de Olimpo dos eSports. Com um prémio verdadeiramente milionário, capaz de rivalizar com as maiores competições desportivas tradicionais, o The International movimenta milhões por todo mundo. Milhões de pessoas. Milhões de dólares. O de 2016 teve um prémio total de perto de 21 milhões de dólares. Suficiente para colocar a equipa vencedora, os Wings, no livro dos recordes do Guinness, com os mais de 9 milhões que arrecadaram com o primeiro lugar.
No artigo do ano passado expliquei um pouco do funcionamento do Battle Pass e a sua influência no valor total dos prémios. Na verdade, e como ainda recentemente a Waypoint afirmou, ao contrário de jogos como League of Legends e Overwatch, o Dota 2 deve o seu sucesso enquanto eSport à sua extensa comunidade de jogadores – o número de jogadores que alguma vez experimentou o jogo ultrapassa os 100 milhões e isto não tem em conta o universo de jogadores da China, que não são contabilizados neste levantamento – ao invés de depender de investidores. O jogo é, simultaneamente, mais aberto, porque qualquer um pode criar o seu evento – a exemplo do que a ESL faz – e mais fechado, uma vez que o público, fiel e disposto a largar os cordões à bolsa, o faz pelo jogo e pelo espectáculo em si e não por influência de determinada marca, bem ou serviço. O The International é apenas o The International. Não é powered by ninguém, nem o branding está para ser discutido. Porquê? Por causa deste pedacinho de engenharia de videojogos, de marketing e de finanças que é o Battle Pass.
Mesmo para alguém que vai acompanhando o evento há uns anos, não deixa de ser significativo o facto de a Valve conseguir não só surpreender como, neste primeiro dia em que vos escrevo estas linhas, estar a ultrapassar os números do ano anterior, conforme se pode ver no site criado para o efeito, que acompanha a evolução das contas em tempo real. Em menos de 24 horas, o prémio já foi incrementado em perto de 3 milhões de dólares, situando-se num total que já seria suficiente para se tornar o evento de eSports com maior premiação do ano. E é só o primeiro dia de uma fase que se alastrará até Agosto! Certo é que, se o The International por si só já é um evento capaz de atrair espectadores de vários sectores, por entre um público que nem sequer joga o jogo, este Battle Pass parece dar um importante passo para que alguns desses passem a jogá-lo. Não o Dota 2 tradicional, 5v5, mas algo… diferente.
A bandeira principal deste Battle Pass, com uma página própria a anunciá-lo e com o The International a buscar inspiração do fundo do mar, tem o nome de Siltbreaker e é, nada mais nada menos que um modo campanha multijogador em dois actos. É a vertente RPG a assumir o holofote, naquilo que parece tratar-se de uma espécie de Diablo ou Pillars of Eternity. Será lançado mais para o fim do mês de Maio, com o segundo acto a chegar em Julho e promete agarrar uma vertente do público avessa ao complexo e competitivo mundo dos MOBAs aproveitando todo o potencial do motor de jogo por detrás de Dota 2.
Essa é então a principal novidade, acessível para quem comprar o Battle Pass. O valor base anda perto dos 9€ e traz uma caixa de cada uma das três disponíveis, contendo pelo menos um item de qualidade Imortal (há a possibilidade de sair mais do que um e os raros geralmente são colocados à venda a algumas centenas de euros, dentro do Steam Market). Traz um Music Pack que muda dinamicamente todas as músicas do jogo, um novo pack de cursor do rato, uma skin para o Courier com 9 evoluções, uma skin para as Wards, também com várias evoluções, um terreno da temporada de primavera, um Taunt para o Jakiro, um bilhete para entrar numa Battle Cup (uma competição semanal promovida pela Valve) e 5 packs de cartas para a Fantasy League do The International 2017. Além disso, claro, há todo o conjunto de quests, apostas, desafios diários e semanais para se irem realizando durante os jogos que nos permitam evoluir o nível do nosso Battle Pass. À medida que vamos ganhando níveis no Battle Pass, vamos também desbloqueando novos prémios para nós. Novas caixas, novas skins para o Courier e para a Ward, novos efeitos visuais para a utilização de determinados itens dentro do jogo, novos emoticons, efeitos para o rio que divide o mapa, Taunts, Announcers, etc… a lista estende-se ao longo de mais de 2000 níveis com prémios que prometem – e até ao momento estão a cumprir – arrebatar os fãs do jogo e do eSport.
Uma das novidades é um conjunto de Team Quests. Até agora, têm existido Quests Individuais. Algo como “atordoar inimigos durante 50 segundos durante um jogo” ou “matar um inimigo 15 segundos depois de usar um teleporte”. A conclusão de cada uma dessas quests permite-nos ganhar níveis no Battle Pass e evoluir também no caminho escolhido. Quando a quest final é concluída, recebemos uma Skin exclusiva para um herói. As duas Quest Paths individuais trazem-nos Skins inspiradas no mar para Ogre Magi e Luna. Mas há também um Path com quests para se fazer em equipa. Estas dependem da colaboração de toda a equipa e a conclusão dá-nos uma Skin exclusiva para Slardar.
Outra das novidades é a alteração das torres de defesa dentro do jogo. Em função do nível de Battle Passes de todos os membros de uma equipa, as torres podem assumir diversos aspectos, cada um mais evoluído que o anterior. Novidade é também a interação com as cartas da Fantasy League. Com as cartas de uma equipa completa, é possível definir essa equipa como a nossa favorita, desbloqueando efeitos dentro do jogo (teleporte, perfil, bandeiras nas Éfiges da base, etc) alusivos à equipa. Ao assistir aos jogos dessa equipa no The International engrossaremos também a fileira de adeptos dessa equipa, visíveis para todo mundo.
Outra dos novidades é um jogo – ainda por disponibilizar – chamado Slark’s Riptide Rumble, disponível a todos os que realizem pelo menos 3 jogos por semana e que permitirá aos jogadores equiparem relíquias exclusivas – e por um número limitado – em determinados heróis por um período que vai até ao arranque do próximo The International. Por aqui, uma das novidades que mais agradou é a de sons para a Chat Wheel. Agora, além de texto, podemos usar a chat wheel para mensagens automáticas de som. Alguns são sons alusivos ao jogo, outros são verdadeiros tributos a alguns casters em jogadas que ficaram para a história, como o célebre “It’s a disastah!” de Tobiwan ou o “Brutal. Savage. Rekt” de RedeYe.
Mantêm-se outras funcionalidades, como a aposta de Tokens (desta feita com Tributos que permitem elevar várias vezes o valor máximo da aposta) em jogos, os votos para a próxima Skin de qualidade Arcana, as já mencionadas Battle Cups e, claro, algo que muitos jogadores auguram, o Matchmaking Sazonal. Para que serve? Se tomarmos o League of Legends como comparação, vemos que neste há várias divisões de rank. Bronze, Silver, Gold, etc. No Dota 2 as coisas funcionam de maneira diferente. Temos um Rank numérico de progressão linear. Há um rank solo e em party. O mínimo é 1 (sim… há jogadores com 1 de MMR!) e o máximo anda perto dos 9400, conforme a tabela pública permite ver. As “divisões” são, na verdade, a diferença máxima de 2000 de MMR entre o elemento com maior e menor elemento de uma party. Cada jogo entre equipas com MMRs equilibrados conferirá 25 pontos a uma e retirará 25 pontos a outra, com variações consoante o desnível de MMR das duas parties (por aqui, o máximo de MMR que se ganhou numa partida foi 41).
Pois bem, o Matchmaking Sazonal é a resposta para aqueles que clamam que deveriam ter um MMR acima do que têm. Não conseguem chegar aos 3000? aos 4000? Joguem um número de jogos suficientes no Matchmaking Sazonal e, finda a temporada, se esse vos agradar, podem fazer desse o vosso MMR efectivo, tanto em Party como em Solo.
Uns dos principais impulsionadores das vendas dos Battle Passes são e serão os Treasures. As caixas de Imortais. Como de costume, apenas a primeira foi revelada e contém Skins para Sniper, Lifestealer, Crystal Maiden, Clinkz, Monkey King e Bristleback, sendo que não é possível obter repetidas até que se tenha completado toda uma série. Além destas, há a hipótese de sair uma Skin para Broodmother, uma para Lifestealer dourada e uma ultra rara para Slark.
O nível 150 do Battle Pass desbloqueia também um terreno exclusivo, não vendável, inspirado no fundo do mar. O aspecto é verdadeiramente fabuloso e as animações da fauna marinha prometem fazer muita gente gastar uns cobres para poder dele usufruir.
O nível 225 traz um caminho de Quests exclusivo alusivo a Kunkka, com uma skin exclusiva para o seu ultimate. Esta não será vendável nem depois do International, pelo que permanecerá exclusiva da conta que o desbloquear. E, claro, a nível 1000, uma miniatura em bronze do escudo do Aegis, enviada para casa dos que lograrem atingir o mítico nível no Battle Pass. Veremos se o conjunto de propostas da Valve é suficiente para atingir e/ou ultrapassar o valor de premiação do ano passado. A julgar por este primeiro dia, tudo indica que sim. A primeira fase, com os Open Qualifiers, com até 1024 equipas por continente, aberta a todos os que estejam interessados, arranca já dia 22 de Junho. Será desta que teremos uma equipa portuguesa a ir longe nesta fase?
ADENDA: À data de publicação deste artigo, as vendas ultrapassam já por larga margem as dos anos anteriores. O valor total da premiação ronda já os 7,5 milhões de dólares, com todos os dias até agora a terem um aumento de facturação face às datas homólogas do ano passado.