Os clickers são uma droga estranha que nos agarra sem explicar porquê e que nos mantêm ansiosos com o desejo incessante de ter uma tendinite e/ou de estragar um rato. É a estranha satisfação de ver números a subir e a ainda mais bizarra sensação de se estar a chegar a um objectivo que nunca chega. Os clickers ou idle games são um dos maiores mistérios do mundo moderno, estando ali lado-a-lado com a identificação do psicotrópico usado há 100 anos pelos pastorinhos.
Raramente é diferente. Os clickers são, por defeito, infinitos. A sua progressão é exponencial e por muito que tenhamos uma ilusão de estar a chegar a algum lado, poucas são as vezes em que assim acontece. Jogar um clicker é auto-justificativo e um fim em si mesmo: jogamo-lo enquanto nos sentimos entusiasmados e durante o efeito que o hipnotismo numérico dura.
Descobrir um clicker com um fim é algo digno de nota, mas descobrir um em que a progressão faz sentido com um enredo é ainda mais surpreendente. É o caso de Spaceplan, desenvolvido por Jake Hollands e publicado há semanas pela Devolver e que traz uma história de sci fi a um clicker visualmente e até narrativamente minimalista.
O nosso objectivo é produzir energia (é ela a moeda de compra de novas tecnologias) e se de início nos limitamos a comprar painéis solares com o óbvio impedimento energético que isso tem nos períodos nocturnos, vamos chegar a uma altura em que somos atingidos na cara com esta estranha obsessão humorística que Spaceplan tem por batatas.
Todas as grandes tecnologias são à base de batata, desde satélites (como os Spudniks), passando por máquinas cósmicas à base de batata que empurram planetas para o Sol para consumir a sua energia.
A Terra morreu e nós não sabemos porquê. Temos no entanto a ajuda das plantações de batatas para ir incrementando o nosso poderio tecnológico na senda de o descortinar, até que a tencologia da batata evolui tanto que nos permite até viagens no tempo. Mas avançar muito aqui já significa um grande spoiler.
A grande diferença (e aquilo que me manteve agarrado a Spaceplan) é o seu enredo e a forma como cada upgrade que fazemos vai permitindo que este se desenvolva, não só na tónica exponencial de um idle game mas também nas informações sobre o que se passou para a vida na Terra ter terminado. O humor não se resume apenas à tecnologia em torno da batata, mas também na forma como esta estranha espécie de 2001: Odisseia na Batata se narra a si mesma, na corda-bamba entre levar-se a sério a brincar.
Talvez a grande diferença deste clicker para tantos outros que pejam (injustificadamente?) o mercado é a noção de que existe um objectivo e um fim e que nos mantém cativados. Com uma história tão divertida, e a possibilidade de deixarmos o jogo a correr e a gerar energia sozinho, Spaceplan é possivelmente um dos melhores idle games pelo qual já passei. O seu sentido de propósito, ainda que seja “apenas” revelar a hilariante história do fim da Terra, é o suficiente para o distanciar de tantos outros.