Em tempos idos, o lançamento de mais um Dawn of War da Relic seria assunto de capa ou destaque de grande parte das revistas/proto-sites da especialidade. O mercado ainda fervilhava na sua grande maioria com RTS, e todas as alterações, mecânicas e mudanças de paradigma que o estúdio implementou, acabariam por servir de segundo fôlego para o género nos anos seguintes.

Esta falta de pompa e circunstância deve-se a dois factores notórios: o primeiro é que no presente ano o mercado já está bem longe do entusiasmo ou do over-hype em torno de RTS, e o segundo talvez possa recair sobre o excessivo número de adaptações de videojogos no mundo de Warhammer, como falámos o ano passado.

Como fã do género e de todos os contributos da Relic (e da série Dawn of War) para os videojogos, não podia não regozijar-me com o lançamento desta terceira iteração. Uma chegada ao mercado algo tímida, com uma subtil divulgação da SEGA e dos seus distribuidores, demonstrando claramente que Warhammer 40K: Dawn of War III é um produto para fãs, e não um agitador-de-águas do mercado, que tenta virar o olhar do público de volta para a estratégia como o faz, e bem, a série Total War*.

Não precisamos de muito tempo para perceber o quanto Dawn of War mudou nesta terceira iteração. Para ser sinceros é perceptível que assim seja: não só pela mudança de importância crescente dos RTS no mercado em oposição aos seus “filhos” MOBA, como pela própria Relic que foi vendida à SEGA após a falência da THQ.

Dawn of War III cedeu às exigências da contemporaneidade. Onde o seu ritmo era pautado por aquilo que compreendemos como squad-tactics, com um forte foco em defesa e conquista de pontos estratégicos, assume hoje um peso muito mais forte. A Relic rendeu-se à influência de outro gigante-alterador dos RTS: a Blizzard. A componente mais estratégica, com um ritmo mais compassado e cerebral deu lugar ao derrame de hordas indiferenciáveis, que tão rápido chegam ao terreno de batalha como de lá desaparecem.

A inclusão dos heróis (aqui chamados Elites) era quase uma obrigação do cumprimento do standard do mercado. Desde o afamado (e para mim, adorado) Warcraft III que os RTS vivem da exigência e da identidade destes personagens. A sua importância é tão grande que acabam por ser as fundações do mercado multimilionário que são os MOBAs.

Com a riqueza do universo de Warhammer 40K era de estranhar que estes personagens não assumissem uma cara e relevância perante tantas unidades indistintas. Um universo tão importante que percebemos o quão óbvia influência surtiu em tantos outros universos, dos quais StarCraft é o mais óbvio.

Parece-me porém que esta terceira iteração tenta cruzar o grande Mar Vermelho de públicos distintos. Por um lado agradar e trazer elementos fortes de base building que são quase a espinha dorsal dos RTS, mesclando-os com um segundo público que adorou a vertente quase action-RPG-esq de Dawn of War II e encontrar ambos os públicos no centro, na intersecção, onde possivelmente se intersectam com a comunidade próxima dos MOBAs.

Uma salva de palmas gigantesca que tenho de endereçar à Relic e à SEGA é a de não cederem na selvática ganância tão típica de empresas como a Blizzard. Um dos factores que mais pesou na minha quase-recusa com StarCraft II centra-se na separação feita pela companhia em manter a campanha de cada uma das facções divididas entre o jogo base e as duas expansões. Que venham os fanboys da Blizzard defender a medida, mas essa, para mim, sempre teve um nome, e é um substantivo feio que não tem espaço para ser usado aqui. A SEGA podia ter escolhido esse caminho, mas decidiu incorporar todas as facções (Space Marines, Eldar e Orks) no jogo base, ainda que se avizinhe um DLC mais cedo ou mais tarde.

A influência dos MOBAs é aqui também notória já que todas as nossas unidades (e não apenas as Elite) possuem skills que podem ajudar a virar a corrente do combate. A outra é que o objectivo de cada facção (especialmente notória na componente online) é destruir o “nexus” inimigo, levando a que qualquer postura mais defensiva de algum jogador seja imediatamente levada pela maré do combate, já que todo o jogo impele qualquer facção a assumir a ofensiva como única e possível defesa. Fazer de tartaruga na base é algo que não funciona, ao contrário de outros RTS que permitem (e estão equilibrados) para permiti-lo.

Há muitos elementos em Dawn of War III que vão agradar aos acérrimos fãs de RTS e/ou da franquia da Games Workshop, mas também se percebe o quão contemporâneo este jogo: das influências do que funciona e mexe milhões no panorama actual e da forma como isso foi eficazmente incorporado no jogo. Tudo isto embrulhado num jogo cuja qualidade visual de concepção e animação tornam-no indubitavelmente o melhor jogo dos últimos anos a ser feito sobre Warhammer 40K. E isso é dizer muito.

* e que produziu um jogo com a franquia Warhammer, que se tornou uma das favoritas do João.