Perceberam a piada do título? E não, não é porque seja um crítico assim tão grande do álbum de Slayer, e ainda os ouvi umas vezes quando saiu. Não é o meu favorito, mas não é o pavor que todos pintam. A piada latina não tem assim tanta piada, sem ser pela resposta óbvia: AereA é uma espécie de Diablo com temática musical.
Como vêem, a piada não tinha assim tanta piada como já é habitual nos meus artigos.
Mais que um palindroma, AereA é logo de início um divertido jogo que vai progressivamente demonstrando as suas costuras e as suas fragilidades, e à medida que as horas passam dentro deste começamos a inventariar a quantidade de coisas que mudaríamos para que este jogo fosse melhor do que é. Afinal, temos a possibilidade de sonhar não temos?
Mas começando pelas coisas boas: AereA é em muitos aspectos uma lufada de ar fresco ao ambiente bafiento das sucessivas fotocópias de Diablo. Parece-me que depois de termos jogado Vikings – Wolves of Midgard e uma série de cópias do colosso da Blizzard é que percebemos que a melhor maneira de fazer uma boa cópia de Diablo é não fazer uma cópia de Diablo. Tentar criar qualquer coisa que destaque, como o enredo da trilogia de Van Helsing (que depois foi copiado pelo muito inferior Victor Vran) ou como este AereA. Ao invés de se instalar naquele lugar seguro e pouco criativo dos Action RPGs que se encostam ombro-a-ombro a Diablo, este jogo criado pelos Triangle Studios e publicado pela Soedesco decidiu dar-lhe uma aura de história infantil, aliando a todos os pormenores do jogo a temática musical.
Este risco tomado, não só de fugir ao nicho óbvio de construir um ARPG com linguagem de fantasia medieval destinado a um público mais velho, foi altamente compensatório. Em AereA vivemos numa escola de música que faz lembrar Hogwarts se ao invés de feitiçaria lá fossem ensinadas as formas de combater monstros ao mesmo tempo que se tocam instrumentos musicais.
Temos quatro personagens disponíveis, inspirados em classes ditas clássicas, mas com pequenos twists musicais, lá está. O guerreiro que anda de arco na mão e com um violoncelo a servir de escudo, o arqueiro munido de uma harpa, o feiticeiro que empunha um alaúde, e o pistoleiro que carrega dois trompetes. Até os inimigos são criativamente interligados com instrumentos, desde o primeiro boss que é uma cigarra misturada com uma gaita-de-foles, passando pelos escorpiões violino e muitos outros cruzamentos que vêm dar um necessário refrescamento ao tipo de inimigos que os ARPGs nos apresentam.
Visualmente o mundo está tremendamente bem construído, numa linguagem leve e colorida, com uma identidade estética muito própria, que vive em perfeita harmonia (musical) com todas as criaturas e personagens que a povoam.
Mau seria se um jogo cuja temática gira em torno de uma escola de música não tivesse uma banda-sonora soberba, e felizmente, esse é o caso de AereA. As orquestrações e melodias que acompanham todo o jogo são extraordinárias e ajudam a tornar verosímeis as paredes deste mundo musical.
Infelizmente a excelente construção conceptual, musical e visual de AereA não o salva dos muitos problemas que possui, sendo que o primeiro é o quão transparente é a sua limitada narrativa. Para um jogo que nos obriga a calcorrear quilómetros dentro da escola para falar com tantos NPCs cujos diálogos são tão desinteressantes que desejamos que exista um botão de skip, e que acaba por resumir a tentativa de construção de uma história interessante a uma missão simples: enquanto aluno da escola partir em missões perigosas para derrotar 9 bosses e resgatar os 9 instrumentos mágicos que suportam a união do universo ou têm um livro de receitas mágicas para a Bimby ou lá o que é.
Falando em perigos: estes são inexistentes. Provavelmente por o jogo ser destinado a mais novos, mas a dificuldade de AereA é praticamente inexistente, e tive a prova quando, depois de ter começado o jogo com o guerreiro, decidi após 3 main quests pegar no arqueiro que estava em nível 1, e sem dificuldade derrotei o primeiro boss do jogo. E visto que o jogo permite ser passado em cooperativo até 4 jogadores, a expressão “walk on the park” deve vir mesmo a calhar.
O segundo grande problema (ou terceiro, se contarmos com a fraca história) centra-se nas decisões mecânicas de controlo. Os ARPGs isométricos à-la Diablo sempre viveram do teclado e do rato, e foi com a transição para as consolas que que a opção de twin stick se veio a integrar, permitindo uma maior precisão entre a movimentação do personagem e a mira dos ataques, perfeitamente visível em especial com personagens que atacam à distância. AereA decidiu quebrar com isso. E sendo a opção comando ou teclado/rato, o personagem ataca apenas para o lado em que está virado, o que dificulta em muito conseguir mirar nos inimigos. Não percebo o porquê da decisão, assim como não percebo o porquê de não incluir a possibilidade do analógico direito ou o rato servirem para apontar os ataques.
Regra geral, a não aplicação de um mapa em grande escala (ou total omissão de mapa) é uma adição à dificuldade pensada com esse propósito pelos devs. Neste caso ter apenas o minimap num canto sem a possibilidade de o expandir parece um sinal de preguiça ou de erro puro, levando-nos muitas vezes a andarmos em círculos à procura do caminho certo.
AereA tem imensos pontos excelentes, e acredito que uma subida da sua dificuldade torná-lo-ia excelente para um público mais velho e à espera de um desafio maior. Infelizmente os erros que AereA possui acabam por arruinar a experiência como um todo e impedem-no de estar mecanicamente à altura do quão criativo e diferente é este mundo baseado em conceitos musicais.