Não sei se é do calor ou da baixa humidade relativa no ar, mas por alguma razão temos recebido uma saraivada de shooters (e demais ramificações) que nos vêm parar às mãos, e que nos fazem pensar que estamos no bullet hell dos críticos dos videojogos, sem conseguirmos desviar-nos de tantos jogos que são lançados.

Acho que perdi a conta à quantidade de shooters e schmups que jogámos este ano, e pior ainda, acho que não consigo lembrar-me de nenhum, o que significa que muito provavelmente não houve um único nos últimos meses que tivesse sobrevivido ao teste mais cruel e infalível de sempre: a passagem do tempo.

Todos os mercados estão saturados, todos sem excepção. Até os schmups, que viviam encerrados na produção nipónica, e apenas com o advento do mercado indie conseguiram estender as suas asas, jactos e propulsores para fora da ilha.

A saturação é do mercado mas não só, e estende-se a quem critica. Drifting Lands foi quase instantaneamente alvo de um certo cansaço meu em relação a estes jogos, em que a memória dos mesmos tem durado o tempo que a diversão decorre. O que perceberia após poucos minutos de experimentar Drifting Lands foi o quão injusto este cansaço decorrente da saturação estava a ser para este jogo específico.

Drifting Lands não se submete à saturação do seu mercado e sabe que a única e melhor forma de se destacar é ter algo de único (ou não), mas que o demarque de tantas outras coisas que são lançadas. Neste caso são vários os aspectos, mas é a abordagem RPG e roguelike que aqui temos que é o verdadeiro herói do quão imersivo este jogo do estúdio Alkemi é.

A jogabilidade de um side-scrolling shooter é quase auto-explicativo e quase que nos parece um conhecimento inato. Destruir todos os inimigos e escapar das colisões com os adversários e com as muitas balas que nos são arremessadas. Em traços curtos esta é a explicação sucinta do género, e é, na sua essência, o que Drifting Lands nos traz. Mas não traz apenas isso.

Existe um enredo em Drifting Lands, onde somos um mercenário a defender a Arca, o último reduto da civilização humana ao estilo de Battlestar Galactica. Esta é o componente mais fraco do jogo, onde os diálogos são invariavelmente alvos de skip, e não fossem as excelentes ilustrações dos cenários e dos personagens e esta componente empurraria todo o jogo bem mais para baixo.

Mas essa direcção artística tão forte que Drifting Lands possui é perceptível não só nas sequências reminiscentes das visual novels, mas também nos cenários e na arte de todo o jogo. O design das naves é coeso com a estética do jogo. O aspecto pincelado que todo o jogo tem, mantém uma linguagem única entre os momentos fora dos níveis e dentro dos níveis.

Se a arte é um dos elementos fortes de todo o jogo, menos não se pode dizer da sua excelente banda-sonora composta por Louis Godart, excelente synthwave que encerra o ambiente da melhor forma.

A decisão de colocar fundamentos de Action RPG em Drifting Lands é a sua verdadeira jóia da coroa. Cada nível é abordado num espírito de grind, em que certamente iremos repeti-los com muitas frequência para obter não só o melhor loot, e consequentemente melhor equipamento para a nossa nave, como créditos para adquirir novos upgrades no mercado. Visto que apenas ficamos com 10% dos créditos que obtemos em cada nível, e os restantes 90% vão para o nosso empregador na Arca, a gestão que fazemos do dinheiro que obtemos tem que ser muito cuidada visto que é esta a forma de subir os nossos stats ao bom estilo RPG.

Drifting Lands possui 100 níveis, a grande maioria dos quais vamos ter de repetir à exaustão para farmar upgrades. E é aqui que surge o grande problema do jogo: se a sua arte e a sua incorporação de elementos de Action RPG são verdadeiramente exímios, a monotonia e mediania do level design acaba por tornar a tarefa de grind ainda mais penosa do que ela intrinsecamente é. E sendo um jogo que vive quase exclusivamente da rejogabilidades das suas missões, este é um erro quase fatal.

É pena que esta monotonia acabe por tingir definitivamente um excelente jogo. Os elementos de RPG e de grind mantiveram-me agarrado a Drifting Lands por tempo suficiente para perceber que há aqui um excelente caminho a trilhar pelo estúdio Alkemi ou por outros, e que poderiam ganhar também por uma maior variedade (até visual) de componentes e alterações aos upgrades da nave. Mas no meio de tantos schmups sem alma, é de salutar o esforço de Drifting Lands para ser diferente, ser melhor, e é-o. Mas tinha espaço e margem para se elevar ainda mais alto do ponto onde está.