Persona tem um canto significativo de atenção e apreço por um número considerável de jogadores. Só aqui na equipa temos dois personistas convictos, que seguem as intrincadas redes emocionais da série desde tempos imemoriais.

Tadashi Satomi, o argumentista de dois dos Persona originais é o criador deste Caligula Effect cujo ambiente nos remete para uma versão niponizada de conceitos de psicologia interligados com uma versão muito único e muito teen-anime do Matrix.

Em Mobius, o mundo alternativo e virtual criado pela pop idol (também ela virtual) μ e onde todos os habitantes são representações idealizadas por si mesmo de jovens adolescentes em idade de liceu.

Estas suas manifestações físicas são construídas a partir da forma como cada um sonha em ser. Todos os habitantes de Mobius vivem esta farsa de existência sem perceberem se a sua realidade é verdadeiramente… real. É claro que pelo bem do conflito teria mais cedo ou mais tarde de existir alguém ou um grupo de pessoas que conseguissem ver para além a programação e da sua vida virtualmente concebida.

Cabe-nos a nós e ao nosso grupo de amigos, o grupo intitulado de Go Home Club esse rude despertar, começando ao mesmo tempo a tentar encontrar as condições para sair de Mobius e voltar ao seu mundo real, fora do “rapto” de consciência levado a cabo por μ.

μ pensa estar a agir de forma correcta, ao estar a “salvar” e a garantir a felicidade de todos num mundo virtual e idealizado. A linha de enredo fez-me lembrar o Driver da Terra-928 (também conhecida por Marvel 2099) que destruía o corpo dos mutantes e digitalizava a sua consciência para um computador, na tentativa de um dia poder recriá-los fisicamente quando o mundo aceitasse as mutações de outra forma.

Em qualquer um destes casos não se pode falar de vilania, mas de uma tentativa desesperada (ou hiper-racional, como no caso de μ) de impor a salvação a todo custo e a qualquer sacrifício, esquecendo por arrasto da liberdade e o livre-arbítrio de qualquer um.

A génese conceptual de todo o jogo acabam por ser os traumas e as inseguranças da adolescência e de que forma é que explorar esse conceito permite criar uma metáfora jogável para a problemática. Caligula Effect pega em todas estas ilusões típicas do Imperador Romano que lhe dá nome e obriga-nos conceptualmente a pegar nas dores e sofrimentos dos nossos protagonistas como armas para destruir a utopia virtual de Mobius.

E isso percebe-se quando a nomenclatura do equipamento passa dos habituais substantivos dos RPGs e JRPGs para Manifesto, Core Belief e Deep Trauma. São estas as armas que a nossa party tem para pôr a nu a felicidade ilusória criada por μ e pelos seus enforcers, os músicos Ostinatos.

A possibilidade de estabelecermos ligações sociais com mais de 500 personagens é um feito considerável num jogo que nos obriga a abalar a construção do próprio mundo. Onde as explicações conceptuais e metafóricas são bem idealizadas ainda que com uma aplicação verdadeiramente cliché e sempre cheia de momentos expectáveis e pouco surpreendentes. Como é que boas ideais de génese conseguem ser tão facilmente destruídas com a utilização rotineira de todos os lugares-comuns dos JRPGs e do anime?

E é curioso repensarmos a nossa postura de sermos os únicos com real consciência do que se passa e que vamos, à força, obrigar todas os outros habitantes a desistirem de Mobius. Pessoas que se refugiaram em Mobius e que dentro das suas novas existências idealizadas encontram a felicidade que as suas vidas reais nunca lhes deram, e onde diariamente viviam em sofrimento, seja por bullying, depressão ou tantas outras manifestações emocionais negativas.

O problema é que todas estas boas ideias são deitadas ao chão por um dos mais monótonos e repetitivos JRPGs, onde nem um sistema de batalha inovador e criativo consegue salvar todo o jogo da rotina embaraçosa onde Caligula Effect se situou.

Conceptual e narrativamente interessante à primeira vista, mas a falhar em todas as suas aplicações. Caligula Effect ficará para sempre na História da Atlus como aquilo que poderia ter sido bom mas cujas expectativas e execução foram copiosamente logradas.