Heróstrato queria que o seu nome ficasse lembrado para sempre. Para isso decidiu incendiar e destruidor o Templo de Artémis, uma das 7 Maravilhas do Mundo. Graças à sua acção criminosa o Senado Romano aprovou uma lei denominada damnatio memoriae, na qual, como forma de desonra, era proibido perpetuar a memória de alguns criminosos ou traidores do Império, condenando-os à pior punição possível: o esquecimento.
Ironicamente e apesar do esforço do Império, as intenções de Heróstrato acabaram por cumprir-se e o seu nome é hoje sinónimo de alguém que visa a notoriedade através de acções criminosas. Daqui a um século teremos o substantivo para definir uma pessoa que busca a celebridade sendo mentecapto. Aposto que será o nome de um youtuber português certamente.
Mega Man é o meu personagem e série de videojogos favoritos de sempre. Desde a primeira vez que o joguei em 1990 até hoje, continuo a achar que o brilhantismo mecânico, visual e conceptual que circundam os seus jogos são algo de inigualável. Ter reverência por Inafune é portanto uma consequência desta paixão.
Todos conhecemos os capítulos do romance tornado tragédia entre Inafune e Capcom, e portanto é preferível virarmos a página e lermos um pouco mais à frente, nos capítulos dedicados às produções de Inafune pós-namoro terminado com a empresa nipónica.
Se as páginas de Mega Man (entre outros) gravaram o nome de Keiji Inafune no livros dos históricos dos videojogos, as suas produções na Inti Creates, sem rede de suporte e possivelmente sem alguns elementos chaves que consigo colaboraram na Capcom têm sido verdadeiramente desastrosas.
ReCore, do qual desenvolveu apenas os conceitos mas cuja estratégia de marketing assentou sobre o seu nome, foi uma das grandes desilusões do ano passado, mas não a maior que Inafune nos brindou em 2016. Esse lugar estava reservado para Mighty Nº 9, ansiado por muitos fãs de Mega Man como eu que esperavam ter aqui um brilhante sucedâneo ao vazio que se sente com a franquia propriedade da Capcom.
Mighty Nº 9 ficou muito aquém do prometido por Inafune, que nos imputou a momentos de clarividência como o rapaz no meio da multidão na história clássica do “Rei vai Nu”. De repente pudemos espreitar para além do encosto brilhante que é Mega Man e perceber que mesmo com uma cópia barata e infeliz, Inafune não consegue corresponder ao endeusamento que eu e muitos fãs pelo mundo o devotam, como símbolo de um dos momentos mais felizes e mais marcantes da História dos videojogos.
Irónico também que acabaria por sair da “sua” Inti Creates um jogo exímio, que transpira melhor o espírito de Mega Man (no caso, X e Zero) do que a bizarra cópia que é Mighty Nº 9. E esse título é o fantástico Azure Striker Gunvolt.
Com um espírito próprio e uma identidade conceptual e mecânica para além do mero “amuo” que foi a aventura em Kickstarter de Inafune, Gunvolt tornou-se, com todo o mérito, a resposta que os fãs de Mega Man procuravam na 3DS.
É curioso como até o pequeno jogo gratuito MIGHTY GUNVOLT, que une os protagonistas das duas séries, tenha tido melhor aceitação do que Mighty Nº 9. E isto significa apenas algo: há maior genialidade criativa nos designers de Gunvolt do que na fama progressivamente injustificada de Inafune, provando que um excelente artista e concept artist não é obrigatoriamente um bom game designer.
Seguindo esta fórmula de sucesso foi recentemente lançado MIGHTY GUNVOLT BURST, a sequela ao excelente free companion de Azure Striker Gunvolt, mas desta vez, pago, obviamente.
Novamente responsabilidade da equipa de Gunvolt, é o segundo jogo que a mais recente criação de Inafune e cópia descarada de Mega Man se apresenta com sucesso, e notoriamente não foi num título próprio ou criado pelo histórico designer.
Ou existe um claro desespero de Inafune e da Inti Creates de acoplarem Mighty Nº 9 ao sucesso comercial e crítico de Gunvolt, ou esta minha resistência possa ser um sinal da desilusão decorrente da descoberta dos pés de barro da estátua.
Independentemente do resultado, Inafune tarda em mostrar a sua relevância sem ter que se apoiar no seu passado conjunto com outros excelentes designers da Capcom. E continuo a pensar se o seu problema começa a aproximar-se tal como o de Molyneux ao de Heróstrato, ou um caso de soberba clássico como o de Ícaro, em que Inafune pensava conseguir alcançar o Sol sozinho sem o suporte de quem igualmente contribuiu para o seu sucesso anterior.