Aquele que foi o meu filme favorito por pouco menos de metade da minha vida é um filme de vingança. The Crow, de Alex Proyas, baseado na obra de Banda-Desenhada homónima de James O. Barr era uma forma diferente de vingança por entre incontáveis outras que povoam o imaginário relativamente recente, em especial os filmes de acção.
Redeemer, recentemente lançado pela Gambitious traz-nos todos os clichés possíveis da cinematografia de Steven Seagal e Jean-Claude Van-Damme, e todos os restantes heróis das artes-marciais que invariavelmente viam um entre querido, fosse a mulher, filhos, pais, o cão ou o entregador de pizzas brutalmente assassinados, despoletando assim uma sangrenta história de vendeta.
Vasily passou os últimos vinte anos em reclusão num mosteiro, longe da sua vida de mercenário, até que os seus ex-empregadores e ex-colegas o descobrem e decidem pintar a paisagem com o sangue dos monges que o rodearam no seu isolamento. Vasily, enquanto herói-de-acção e exército-de-um-homem-só segue um esforço de apaziguar a sua raiva e a sua sede de vingança num contra-ataque, percorrendo os muitos níveis deste jogo a destruir tudo e todos que pudessem estar remotamente ligados ao assassinato dos seus “irmãos” o que invariavelmente vai descambar em lutas corpo-a-corpo com zombies. Porque sim.
Os beat’em ups nunca primaram pelo argumento, e com toda a honestidade também não é essa a razão que nos faz, e especialmente que nos fez devorá-los com sofreguidão nas arcadas e nas consolas domésticas. Double Dragon e Streets of Rage tinham enredos perfeitamente risíveis mas eram amplamente colocados em segundo plano pelo valor mecânico que possuíam à época.
Ao contrário do que se esperaria, Redeemer atira o side-scrolling natural do género por uma ambiência em vista aérea que demora a habituar, e que só demora menos pela naturalidade trazida por Hotline Miami e todos os seus sucedâneos. É aliás aí que Redeemer quer ir, trazendo as armas clássicas de muitos beat’em ups para este sistema de sucesso trazido para a ribalta na presente década pelo estúdio Dennaton Games.
Esta influência toda de Hotline Miami acaba por ser mais tóxica para Redeemer do que seria positivo. A dedicação da equipa que o desenvolveu, o estúdio Sobaka Games, em trazer mecânicas de combate e de contra-ataque coladas aos Batman da Rocksteady mas aplicadas a uma lógica top-down parecem interessantes, e ainda mais se pensarmos na adequação de sistema de stealth ou de posicionamento/consideração pelos ângulos de visão dos adversários (tal como Hotline Miami faz) mas falha no desequilíbrio que o próprio jogo atinge à medida que o desafio escala de forma incomportável, e que desvirtua a aura do próprio jogo.
Utilizar armas de fogo em beat’em ups é algo recorrente, mas de forma a que o combate físico sempre superou. Uma pistola costuma ser um momento único, dois-três tiros que nos permitem atacar momentaneamente à distância antes que tenhamos de voltar ao corpo-a-corpo. Redeemer perde-se a meio caminho quando o nosso kung fu é amplamente insuficiente, e as armas (de fogo ou não) passam a ser um dos únicos meios de dar verdadeiro dano aos adversários.
Onde os beat’em ups sempre avaliaram a nossa destreza era na diversidade e número de inimigos à medida que os próprios jogos avançam. Redeemer comete um erro fatal ao vender-se como um beat’em up sangrento (que é) mas onde o combate físico vai perdendo progressivamente a importância à medida que o jogo evolui. Ao invés de pormos as nossa habilidades enquanto artistas marciais em cheque temos de procurar armas para encontrar um mínimo de eficácia ao avançar dos níveis.
Há boas ideias e boas execuções visuais em Redeemer, mas os autores não souberam refrear a miríade de influências óbvias e acabaram por ter um contágio do cerne do próprio jogo. Um beat’em up que quer ser um shoot’em up a meio é uma perda de identidade e de desenvolvimento.
Lembram-se da célebre e impromtu cena de Indiana Jones em que Indy se defronta com um espadachim, acabando por alvejá-lo rapidamente com um único tiro? É isso que é Redeemer. Mas não a magistral cena toda, apenas uma mistura esquizofrénica de todos os factores que o compõem, na dúvida crescente entre o murro e o tiro.