Nunca experimentei drogas. Isto é uma afirmação verdadeira, e digo-o não apenas por este espaço ser uma janela aberta para o público, mas também porque há muita gente que duvida da sua veracidade tendo em conta, e citando, “ter estudado em Belas-Artes e ir a imensos concertos de metal e rock prog”. Acho que só podemos contar como experiência quase estupefaciente aqueles serões à frente da televisão em que os pacotes de Cheetos eram devorados de forma sôfrega e os efeitos do seu laranja radioactivo se fazem sentir a posteriori, deixando as provas do crime nas pontas dos dedos.

Ontem depois de jantar uma bela lasanha decidi aventurar-me na antevisão da build de Beat the Game, uma experiência que estava limitada a 15 minutos reais de jogo e após o qual a aplicação encerrou. Este surreal jogo do estúdio Worm Animation garantiu que esses 15 minutos se tornassem numa das experiências mais desconcertantes que já vivi nos videojogos.

Dois meses depois, com a versão final já live, tivemos a confirmação do que esperávamos, e esta experiência quase psicotrópica mostra as possibilidades do mercado dos videojogos. A começar pela real percepção que eu não sabia do que tratava o jogo, e depois de o ter jogado fiquei apenas com uma ligeira ideia do que se estava a passar. Beat the Game deixa-nos diversas dúvidas na mão. A primeira é se falta uma vírgula no título ou se é a frase é imperativa, mas qualquer das respostas não nos clarifica sobre o que raio se está a passar ali.

E talvez nunca cheguemos a saber, mesmo que o terminemos.

As óbvias influências no movimento Dadaísta e Surrealista e na estética de alguns pintores do período, como Chirico, Dalí, Tzara, Enrst ou Tanguy são sentidas desde o primeiro momento, e funciona na perfeição como distinção estética para tantos outros jogos de aventura. Beat the Game é obviamente um jogo musical surrealista, onde o protagonista Mistik percorre um cenário desértico por onde flutuam drones e outras criaturas, das quais temos de conseguir captar uma série de sons.

É com esta captação de sons que vem a segunda inspiração de Beat the Game, e que se junta ao visual surrealista: a Euro Techno. Mistik, enquanto produtor musical bizarro num ambiente onírico tem então de compor mixes dos sons que recebe para entreter algumas criaturas que entretanto surgem do ar.

(Agora que reli esta frase vou percebendo que ao contrário de grande parte da inspiração do Surrealismo, os minutos vividos em Beat the Game não são um sonho).

Dizer que Beat the Game é estranho é um eufemismo. E isto dito por mim, que após 7 anos de estudo da História da Arte e uma grande proximidade emocional e intelectual com o Dadaísmo e o Surrealismo fico dividido entre o grande feito artístico que a Worm Animation conseguiu neste jogo, onde o seu ambiente e construção de cenários e personagens é verdadeiramente soberbo, e a total consciência que este jogo de exploração musical é indubitavelmente um dos mais difíceis de avaliar de centenas que já me passaram pelas mãos. Especialmente se tivermos em conta que a minha viagem por Beat the Game se limitou a apenas 15 minutos, e seria injusto avaliá-lo ou crucificá-lo apenas por esse tempo.

Fica aberta a janela da dúvida sobre ele com uma única certeza em mente: este jogo tem tanto de belo como de estranho. E isso é dizer muito sobre ele.