As Game Jams são um conceito com boa aceitação por terras lusas. A ideia de juntar um conjunto de criadores de videojogos, vulgo Game devs, num fim-de-semana em torno do seu trabalho/paixão reúne um grande número de seguidores e só este ano e assim off the top of my head, lembro-me da Games for Good, da Global Game Jam, da Ismai Legends Game Jam e da Game Jam no Museu. E isto, lá está, para aquelas que eu fui tomando conhecimento aqui pelo Porto, pese embora algumas delas envolverem gentes de outras cidades. A ideia resume-se em poucas palavras: um tema surpresa, 48 horas para fazer um jogo em torno desse tema e… pois, basicamente é isto.
São jogos feitos à pressa, num ambiente muito longe do profissional, com mais coração que cabeça, uns são colados com cuspe aqui e ali, outros têm telhados bonitos sem alicerces, outros mostram alicerces fantásticos mas não conseguem concorrer com casas de três assoalhadas… Mas alguns deles, muitos até, são sementes que podem ser aproveitadas para virem a dar frutos. Ali dificilmente se vê um GRANDE jogo, com tudo concluído e pronto para ir para o mercado. Mas vêem-se com facilidade ideias geniais. E, mais que isso, pessoas geniais.
A Invictvs Game Jam nasceu por iniciativa da Fabamaq, ou FMQ. Sediada no Porto, a FMQ lida com jogos de casino, explorando o gigantesco mercado global. De lá, dizem-nos que o intuito deste evento – e dos seus apoios a outros como o Game Dev Meet no Porto – passa por sondar potenciais candidatos para as suas fileiras, carentes de mão-de-obra que saiba trabalhar em videojogos e que mostre os tais traços de genialidade. A Invictvs Game Jam nasce assim como um salutar convívio entre a comunidade de game dev portuguesa em torno de um trabalho: divertir as pessoas com os seus videojogos.
Quis o diabo e o destino que eu fosse convidado para Júri desta Invictvs, pelo que, pese embora me seja limitada a participação com o intuito de produção, pude passear um pouco pelos corredores do Edifício Transparente, ali aninhado entre o Porto e Matosinhos, mesmo junto ao mar. O evento arrancou esta sexta feira, com palestras, com a apresentação de uma nova roupagem para a FMQ e com o aguardado anúncio do tema: Lucky Shot. Subtil, mas preciso (ou não lidasse a FMQ com jogos de sorte e azar).
Em todo caso, diria que conseguiu manter-se fiel ao seu core sem cair num proibitivo óbvio que provavelmente desvirtuaria o espírito das Game Jams. Afinal, se o tema fosse sabido de antemão, ter-se-ia tempo para se preparar algo antes do evento, o que contraria o espírito de brainstorming e de improviso das Jams.
Apresentado o tema, com o pôr-do-sol a emoldurar o cenário, fomos conduzidos a um bar com esplanada nas redondezas, reservado para nós. Entre bebidas, petiscos, cheiro a maresia e muita conversa, foram-se esgrimindo ideias, conceitos e tendências para apresentar. Não pude deixar de parar, aqui e ali, admirado com a dimensão do evento. As inscrições foram limitadas a 130 participantes, e esgotaram bem antes da semana que marca o arranque da Jam. Se os prémios anunciados não o fizeram, as condições de acolhimento e transporte (com uma camioneta a fazer o percurso Lisboa-Porto com uma sorridente amálgama de Game devs do centro do país) ou a perspectiva de convívio, acabaram por convencer muita gente a inscrever-se. E, mais espaço houvesse, mais se inscreveriam, a contar pelo número de contactos que se seguiram ao fecho das inscrições.
A noite do primeiro dia foi caindo, e as largas dezenas de game devs foram, mais ou menos sorrateiramente, voltando ao Edifício Transparente, para montar o seu estaminé, esfregando as mãos ante a perspectiva de fazer um jogo que sobressaia no mar de jogos expectável. Fechou-se o dia na perspectiva de um Sábado pleno de desenvolvimento e recheado de um conjunto de talks interessantes, que vieram a confirmar-se e que tiveram o condão de arrancar alguns game devs às suas cadeiras de desenvolvimento. Falou-se de videojogos, de game jams, de estudos, de métodos e técnicas… Nem sempre estiveram cheias, até porque parar a produção numa corrida contra o tempo em que as horas de sono são sacrificadas dificilmente é uma decisão fácil de se tomar mas apimentaram o evento e fizeram algumas pessoas de fora deslocar-se para o Edifício Transparente.
Com o mar ali ao perto e com a proposta de actividades físicas para descontrair, onde se incluiu uma fantástica sessão de Tai Chi ao pôr-do-sol, o contraste entre o relaxamento da periferia com a laboriosa produção na sala central da Invictvs fazia-se sentir como um banho de água fria depois de 15 minutos a torrar ao sol.
No último dia, já com duas noites mal dormidas pelo meio, com barrigas cheias pelo omnipresente catering e de olhos semicerrados pelo brilho ofuscante que prometia uma manhã de praia fabulosa ali a dois passos, é por volta do meio dia que se fecham os portáteis e desligam os computadores. Os jogos estão prontos. Ou perto disso, pelo menos. Cabe ao júri, onde me encontro ladeado pelos ilustres Rui Pena, Manuel Sequeira e Marco Vale, assistir aos pitches finais dos jogos e avaliar. Não é tarefa fácil. Com 25 jogos para apresentar, as equipas têm de condensar as suas apresentações em escassos cinco minutos. Cinco minutos para mostrarem um jogo, as mecânicas, a história, o conceito, a diversão. É algo que, felizmente, todas conseguem, e seguiram-se umas largas horas a ver videojogos. Single player, multiplayer, platformers, first person shooters, third person shooters, sidescrollers, top-down, isométricos, 3D, 2D, 2.5D…. videojogos para todos os gostos e feitios, num patamar bastante elevado para aquilo que, normalmente, vão sendo as produções em game jams (o facto de haver catering minimiza o tempo perdido com deslocações para alimentação, e isso parece ser uma das justificações para tão poucos projectos inacabados e para tão alto nível entre aquilo que foi apresentado).
Uns destacaram-se pela sua originalidade e fidelidade ao tema Lucky Shot, interpretando de forma livre os jogos de sorte, os tiros, os shots de bebidas alcoólicas, as fotos, os azares ou a pura aleatoriedade. Outros primaram pelos seus acabamentos, aproximando-se muito daquilo que poderia ser considerado um produto final, outros destacaram-se pelo uso de tecnologias menos comuns, ou de motores e plataformas de desenvolvimento mais fora do normal, outros, apenas, pelo genuíno gozo que dava jogar ou ver a jogar… foram árduas horas de análise e avaliação, dificultadas pela qualidade geral percepcionada. Não é só um lugar-comum e não o digo para ser simpático. Claro que houve jogos que ficaram a meio e outros longe de um lugar no topo, mas as razões para notas menos conseguidas ficam-se precisamente por aí. Porque, fruto da inexperiência ou da dimensão das equipas, o trabalho não terá ficado concluído com um nível satisfatório. Coisas inacabadas, mas coisas com qualidade indesmentível e, espera-se, pernas para andar. O júri avaliou primeiramente todos os jogos mediante um punhado de pontos técnicos e conceptuais. Dessas médias por júri construiu-se uma média global que serviu de base à seriação final. Essa média quantitativa final ficou pelos 70%, o que é bem indicativo da real qualidade que os participantes apresentaram para avaliação.
Assim, foi difícil a tarefa de decidir quem ocuparia o pódio. Em terceiro lugar ficaria o jogo A Shot in the Dark, um jogo 1v1 em split screen, em que só podemos disparar para o nosso alvo quando fechamos os olhos. A originalidade do conceito aliada à fidelidade para com o tema temperada com a aleatoriedade da arena catapultou o jogo para o pódio. O segundo lugar ficou para um fantástico David Jones’s Locker, um shooter a quatro com efeitos aleatórios a serem sorteados no início de cada ronda. Com uma arte soberba e jogabilidade muito consistente, o jogo cimentou o seu segundo lugar. O vencedor, a colocar nas mãos de cada game dev do grupo responsável um convite para a Comic Con e uma Nintendo Switch, foi PIC a Boo, um party game em tudo fiel ao tema. Jogado a quatro numa arena às escuras, cada jogador controla um fantasma que tem por objectivo capturar, na sua câmara instantânea, as fotos dos seus 3 oponentes. Parece fácil, mas o facto de se desenrolar num mapa às escuras, com a câmara a servir de iluminação efémera aquando do um flash e com os taunts e comentários a indicar ao jogador – e seus inimigos – que se encontra alguém em determinada zona, torna o jogo deliciosamente difícil e competitivo, envolvendo não só quem o joga como quem assiste ao mesmo.
E ficou assim um ponto e vírgula num evento que, decididamente, elevou a fasquia das Game Jams em solo nacional e que, diga-se, disso colheu dividendos em termos de qualidade de jogos apresentados. Há Game Jams que são Game Gems, dadas as gemas que por lá encontramos. Não é um ponto final. É um ponto e vírgula, porque, ao que tudo indica, a iniciativa não é para ficar por aqui. Ainda bem!