O Anúncio da adaptação do clássico da Konami não terá escapado a ninguém. A imprensa (nerd?) não hesitou em anunciar com a maior ambiguidade possível aquilo que acabaria por ser uma série de animação, algo que convenhamos, se é sem precedente para a Netflix, é algo bastante banal no contexto da animação Japonesa que já adaptou dezenas de jogos para o formato. No registo vampírico por exemplo, recordo-me do deliciosamente bizarro Darkstalkers ou do Devil May Cry de 2007. Quem quiser ir mais longe pode ainda referir as adaptações americanas de Street Fighter, Zelda e outras licenças apetecíveis para a juventude dos tempos da NES. Da possibilidade de um live action nasceu então um especial interesse pelo projeto que soube manter-se relevante até pelo carinho que grande parte dos jogadores tem pela série dos Castlevania.
Na minha review ao filme Assassin’s Creed referi que um dos grandes desafios na adaptação de jogos consiste em manter-se relevante quando os mesmos são habitualmente cópias de temas do cinema e da literatura. No caso de Castlevania, um jogo inspirado na galáxia de produções Dracula, isso implica fazer uma série que consegue transmitir a sua identidade enquanto adaptação de jogo. Transmitir com a maior fidelidade possível as componentes básicas do universo do jogo e saber expandir-las para um formato onde não há gameplay e o guião é o elemento central.
Castlevania (a série) não me soube a Castlevania (o jogo). Castlevania é um jogo de aventura onde o terror tem uma componente preponderante. Claro que nos dias de hoje os esqueletos e morcegos já não assustam ninguém mas na altura do seu lançamento o jogo procurava a angústia de um survival horror. A associação de um gameplay nervoso e particularmente difícil com o tema do herói enviado para enfrentar um bestiário assustador são elementos que definem a tonalidade da saga. Essa componente só é atenuada pela dimensão profética do confronto: Dracula ressuscita e um Belmont é predestinado a derrotá-lo. Cabe ao jogador estar à altura dessa profecia. Não há espaço para grandes subtilezas e o confronto reduz-se à luta entre o bem contra o mal. Adaptar Castlevania implica portanto assumir essa simplicidade ou torná-la mais complexa mas respeitando a sua tonalidade: um registo épico de terror.
A série opta pela via da complexidade com um discurso ideológico vincado mas sem grande raiz no jogo: o Raciocínio anti-clerical… Ou simplificando: A “Inesperada inquisição espanhola”.
Com 4 episódios de 25 minutos Castlevania não procura criar uma mini série conclusiva mas opta antes por um piloto que acaba onde a série deveria ter começado. O Objetivo é portanto criar um universo mas sem que isso seja feito através de um inimigo relevante a longo prazo… Um aperitivo maléfico.
Como já referi aqui o verdadeiro antagonista destes 4 episódios é a Igreja. Dracula é retratado como um ser complexo, homem de ciência e um incompreendido – tirar as centenas de cadáveres do quintal teria talvez ajudado nas relações públicas – que é forçado à crueldade devido à estupidez clerical que assassina a sua mulher por suspeitas de bruxaria. Trevor Belmont é outra vítima da estupidez religiosa e vive enquanto exilado pois a tradição familiar de lutar contra demónios não é bem aceite pelo clero. A Igreja é no contexto da série uma máfia organizada que convida a população às piores decisões (qualquer extrapolação para o mundo real fica ao critério do leitor). É nesse sentido o único elemento a quem não é autorizado qualquer tipo de nuances e ocupa por isso mesmo o lugar de inimigo perfeito. Já que a série não autoriza subtileza ao seu principal antagonista, porque não optar antes por uma simplificação do Dracula diretamente? Sinais dos tempos. Este raciocínio “metal” pode facilmente ecoar no público alvo mas fá-lo sem grande subtileza ou interesse pelo que a mensagem política soube-me a fan service ideológico. Ou então terá sido antes um sinal de tempo e estes quatro primeiros episódios foram voluntariamente concebidos para terem o mínimo de incidência possível tendo em vista futuras seasons. Se tal for o caso disfarçaram mal o Beta Test.
Há muita fala neste Castlevania. Demasiada para tão pouco conteúdo, o que nos faz lamentar não ter mais sequências de acção já que série até consegue fazê-las particularmente bem. Mais lutas contra ciclopes e menos taberneiros a dissertarem sobre o coito com cabras teria sido uma opção mais sensata.
Outra componente preponderante nesta adaptação é o gore. Nada escapa às representações gráficas: bebés em sangue, crianças cortadas aos pedaços, mutilações diversas por tudo e por nada… Este Castlevania dá-se o luxo da ultra violência visual mas não deixa de parecer bastante oportunista quando o faz… “Edgy”.
Ver este Castlevania fez-me pensar no quão brilhante é o Berserk de Kentaro Miura. As semelhanças tanto com o jogo como com os temas abordados nesta adaptação do Netflix são evidentes. Confesso-me aliás um autentico apologista do Japão quando comparo a qualidade do que é proposto aqui com a média do que é produzido no país do sol nascente.
A Identidade americana deste Castlevania existe essencialmente nos diálogos. No desenho o traço é marcadamente nipónico. Grande parte da dinâmica oral passa pelos recursos humorísticos de um Josh Whedon com muito sarcasmo e piadas formuladas em momentos de tensão. O Resultado é desigual mas entendo que a minha apreciação deste tipo de humor é mínimo pelo que muitos poderão discordar da minha opinião.
O que sobressai disto tudo é na verdade um certo tédio. Só a parte final soube despertar a minha curiosidade mas assim que as coisas ganham em interesse a “season” termina. No mínimo frustrante. Estando encerrado o primeiro story arc tenho ainda esperanças que a continuação possa proporcionar um espectáculo mais interessante.