John Carpenter não é só o meu segundo realizador favorito, é também um dos maiores contribuidores para a estética de thriller (e até terror) da década de 1980. Trazer esse ambiente de tensão que obras geniais como The Fog e The Thing criaram para um ambiente de videojogo pode não ser a tarefa mais simples, e Distrust prova isso mesmo.

Para muita gente (eu incluído), referir The Thing como inspiração para um jogo é o suficiente para despertar o interesse. Nesta aura de survival games, Distrust compromete-se mais ou menos a fazer o mesmo que Impact Winter, também em perspectiva isométrica, mas com um objectivo um pouco diferente. Se no jogo da Bandai Namco a nossa missão era sobreviver o tempo suficiente para o nosso grupo ser evacuado, em Distrust, contrariamente ao que esperamos, temos de sobreviver à invasão alienígena mas não é ela, de facto, a maior ameaça. Em Distrust temos de percorrer um sistema sequencial de níveis, aqui denominadas áreas e… sobreviver.

A construção do ambiente de Distrust é exímio, e está a par do que Impact Winter atingiu. Eu sei que parece injusto estar constantemente a comparar os dois jogos, mas acabaram por ser os dois exemplos com temática semelhante e dentro do mesmo género a surgir num curto espaço de tempo, e já nem coloco aqui na equação o ICY do qual falámos a semana passada por estar em tantos aspectos distante de qualquer semelhança.

Mas como dizia, visualmente e em termos de mood, parece-me que o estúdio Cheerdealers conseguiu com este Distrust é verdadeiramente bem-conseguido. Existe uma tensão natural trazida pelo ambiente inóspito do Árctico que nos causa um medo quase primordial da sobrevivência, e que está coeso com a visão isométrica do jogo.

Mas parece-me que é aí que os elogios a Distrust terminam. Referir The Thing como influência cria ansiedade mas também cria expectativas, e nesse campo este jogo falha redondamente. Uma das maiores genialidades narrativas (e rítmicas) do filme (enquanto adaptação da noveleta Who Goes There? de John W. Campbell, Jr) é o facto de nos manter constantemente tensos com uma criatura que tem a capacidade de assimilar e mimetizar qualquer organismo com o qual contacta.

Este sentimento de que o perigo pode estar em qualquer ponto é diferente daquilo que Distrust se limita a fazer: atirar para dentro de survival game uma série de cenários aleatoriamente gerados e que compreendem a busca por itens específicos (e recursos para manter os nossos personagens quentes, saudáveis, e acima de tudo vivos) como objectivo para saltar para a próxima missão.

Mesmo a introdução dos alienígenas adiciona apenas o factor “combate” à equação, sem trazer a tensão e o thriller que The Thing naturalmente comporta. Fazendo o devido paralelismo com um dos grandes títulos dos survival games, existia uma maior tensão em Don’t Starve por termos surpresas como algumas árvores, quase sem aviso, tornarem-se conscientes e atacarem-nos, do que a total falha de Distrust neste campo.

Distrust é mecanicamente limitado e nada traz de novo para o género, que não tenha sido infinitamente melhor conseguido com This War of Mine e com Don’t Starve. Cria um ambiente interessante de ligeira tensão, mas nunca chega a dar o passo seguinte para que ele se torne um verdadeiro thriller.

A impiedade do jogo passa por ele mesmo, por todos os números e factores aleatórios que Distrust vai progressivamente trazendo para nos derrotar. Ao mesmo tempo que une as habituais necessidades de sobrevivência de um jogo deste género a objectivos perfeitamente aleatórios e difusos que quebram a imersão naquilo que poderia ser mais do que apenas uma boa construção cénica, mas não é.

https://www.youtube.com/watch?v=faCPAvJsC5o