Algum dia isto teria de acontecer realmente. Depois de estarmos nos anos 1990 a olhar para as sprites (belíssimas para altura, convenhamos) de jogos como Dragon Ball Z: The Call of Destiny e Bishoujo Senshi Sailor Moon R, onde acreditávamos que o jogo representava o “realismo” e a proximidade visual daquilo que os nossos velhinhos CRTs exibiam nessa altura, o futuro veio progressivamente mostrar-nos que estávamos errados.
O ponto intermédio desta verosimilhança com os objectos originais – neste caso, séries de anime – é possível que tenha sido atingido na década passada, durante a geração da PlayStation 2. Aí, a febre e o domínio quase total dos jogos em 3D veio criar uma falsa sensação de arte datada às abordagens pixel art (felizmente recuperadas a reboque do mercado indie) fazendo-nos retirar uns óculos da nostalgia inexistentes e passando a ver as abordagens actuais (à época) como as mais fidedignas com o medium original.
É o caso de jogos como Dragon Ball Z: Budokai Tenkaichi 3 onde o “estilo Bandai Namco” de fazer fighting games foi aprimorado e definido enquanto patamar qualitativo para o sub-género. Aquilo que a consola de 128 bits da Sony permitia do ponto de vista técnico com a abordagem cel-shaded, era uma proximidade visualmente impressionante com a animação de Akira Toriyama e aquilo que eram os modelos tridimensionais jogáveis neste ambiente.
Dez anos é muito tempo, especialmente a nível tecnológico. A cada geração, com o nosso olhar a habituar-se às novas potencialidades gráficas das máquinas contemporâneas, ficamos sucessivamente com a impressão de que é quase impossível ir mais longe do que já estamos.
Neste momento, enterrado o hype sobre o HD e brindado o 4K como o deus vigente, e com o notório e surpreendente realismo que os jogos possuem, é-nos muito difícil conceber um avanço tecnológico visual que ultrapasse a actualidade. Mas basta-nos pensar que um jogo na PS1 parecia hiper-realista à época. E que esse processo de suplantação se repetiu até aos dias de hoje.
No entanto há uma certeza tecnológica: a proximidade que a modelação e os efeitos cel-shading têm na geração actual são quase miméticos do traço e da animação de mangakas famosos, e já atingimos o ponto em que a modelação tridimensional é, através dos devidos efeitos, quase indistinguível de um anime.
Já tínhamos sentido isso há um ano e meio quando aquele que imaginávamos ser o derradeiro jogo de Naruto (ou não) chegava às lojas, Naruto Shippuden: Ultimate Ninja Storm 4. Onde o traço de Masashi Kishimoto era reproduzido fielmente pelos modelos cel-shaded de todo o jogo.
O lançamento há semanas de NARUTO SHIPPUDEN: Ultimate Ninja STORM Legacy vem cimentar ainda mais esta ideia. O facto de incluir os 4 Ultimate Ninja Storm permite-nos não só observar a evolução técnica desde o primeiro, onde o brilhantismo e fidelidades visuais já eram impressionantes, até aos dias de hoje com o último DLC de Ultimate Ninja Storm 4: Road to Boruto.
Se reproduzir o traço identitário de Kishimoto não é tarefa fácil, reproduzir o traço único, genialmente alicerçado e ainda melhor executado de Oda parece tarefa quase impossível. Coisa que o recém lançado One Piece: Unlimited World Red – Deluxe Edition vem provar que o quase em “quase impossível” é uma barreira perfeitamente alcançável, com o talento devido.
Um remake do jogo de 2013 que alegadamente inclui mais de 40 DLCs, One Piece: Unlimited World Red – Deluxe Edition demonstra nesta sua recente versão o exímio trabalho que foi feito para reproduzir um mundo tão unívoco como o de One Piece. Numa história único (não necessariamente canónica), mas que serve perfeitamente de companheiro e/ou filler da maravilhosa saga que Eiichiro Oda nos conta há 20 anos.
A reprodução da arte deste verdadeiro mestre da banda-desenhada mundial para 3D está tão soberbamente desenvolvido que é muito difícil conseguirmos sequer sentir a diferença entre os dois media. Ver um screenshot deste Unlimited World Red pode facilmente criar dúvidas sobre a sua proveniência, se da série de anime ou de um videojogo, e isso diz tudo sobre l’état de l’art do que empresas com o poderio financeiro e os recursos humanos (e o talento) que habita a Bandai Namco permite fazer.
É verdade que ao olhar para este dois exemplos não podemos deixar de olhar para os simpáticos jogos da era 8 e 16 bits e ver o quão distantes estavam. Mas a nossa própria maturidade (e a maturidade do meio) permitem-nos vê-los com a beleza e a mestria que possuem dentro da exímia pixel art que possuíram.
Mas verosimilhança? Essa encontra-se hoje na detalhada modelação e cel-shading que encontramos no mercado. Onde meios diferentes se diluem numa linha artística única. E talvez daqui a 10 anos estejamos aqui para olhar para trás e para achar quase risível o esforço tecnológico contemporâneo. Mas isso só o tempo o dirá.