“Vem comer! Não te chamo mais vez nenhuma” – disse a mãe exausta e irritada.

“Já vou mãe… estou só a acabar uma cena. Bora bora bora vai rush B!” – disse apressado à mãe começando de seguida a falar com outros jogadores pelos seus headphones enquanto jogava. A mãe não compreendia nada do que ele falava com os seus amigos pelos headphones, nem sabia com quem ele falava.

“Não te vou chamar mais nenhuma vez! Já estamos à tua espera há meia hora! Daqui a nada desligo isso!”

Numa primeira abordagem, quando vemos este cenário muito generalista, as perspetivas tornam-se variadas. Por um lado, numa vertente mais extrema, os pais menos informados entram numa lógica ambígua de “o problema é o jogo!”. Ambígua porque muitas vezes o jogo para os pais é algo bom – já que ele fica em casa, está “protegido” dos males exteriores, “não chateia”, mas por outro lado é negativo pois “ele está lá muito tempo”, “grita o tempo todo quando joga”, “não vem quando o chamam para jantar ou fazer alguma coisa”, etc.

Não me focando no lado psicopatológico (algo que já me foquei um pouco no artigo de Março “Videojogos, os Demónios da Era Moderna”) a verdade é que o hábito de jogo é condicionado por inúmeros fatores, entre eles fatores sociais, fatores de motivação intrínseca e vivência emocional, fatores de vivência familiar, etc. Em cada caso todos estes fatores devem ser analisados para compreender em que medida poderá existir uma vivência saudável desta prática, uma vivência excessiva ou até mesmo uma vivência aditiva.

De facto, em termos de incidência, a maioria dos casos tratam-se de uma vivência excessiva e não propriamente de uma vivência aditiva dos videojogos. Estas distinguem-se na medida em que numa vivência excessiva a grande parte do problema se encontra na ausência de disciplina ou rotinas que sejam saudáveis para o jogador. Nestes casos não existem horários a cumprir, não existem regras e na dinâmica familiar não existem muitas vezes as estratégias para auxiliar a que uma rotina saudável ocorra, seja porque motivo for e em que atividade da vida do jovem for. É então importante nestes casos auxiliar-se os pais que sintam este tipo de dificuldades a arranjar estratégias de como lidar com a situação. Compilei então 9 Estratégias simples e generalistas que quaisquer pais podem utilizar com os seus filhos lá por casa.

  • 1. Conversar sobre o Mundo de Videojogos onde o jovem se insere e até experimentar jogar com ele.

Compreender o recheio deste mundo onde o jovem vivência tantas experiências é importante. A ideia de que um videojogo é “apenas um videojogo” já se encontra bastante ultrapassada e é importante ter a noção de que um videojogo pode ser uma atividade rica em estratégia, crescimento, desenvolvimento, socialização e aprendizagem de mecânicas que ele pode aproveitar para a sua vida fora do ecrã. Compreender o que é jogar online ou offline e qual das modalidades o jovem prefere, saber se ele tem muitos amigos que joguem com ele, quem são; perguntar sobre os videojogos que ele gosta e até mesmo ver ele a jogar e tentar compreender os jogos que ele joga e como joga, podem ser tarefas de grande enriquecimento para a família no seu todo. Além disso, compreender se ele pertence a alguma associação, comunidade, equipa de desportos eletrónicos (eSports) pode ainda ser positivo. Geralmente muitas associações/comunidades/clubes têm eventos online ou presenciais regulares que podem ser positivos e preventivos de comportamentos de risco, sendo sempre importante prevenir e garantir a segurança do jovem.

Falar com o staff da associação ou comunidade poderá ser adequado dependendo da idade do jogador quando algum destes eventos ocorre, assim como saber como pode estar presente e como é o funcionamento da associação/comunidade/clube. Caso o jogador se encontre em equipas de desportos eletrónicos, por exemplo, será normal ter horas de treino e muitas vezes estas não são acordadas de acordo com rotinas familiares (até porque muitas vezes os jovens têm receio de falar com a família sobre isso, sob medo de não serem compreendidos), sendo assim é importante os pais estarem a par destas rotinas e do funcionamento do Mundo de jogo do jovem para compreenderem e acordarem em conjunto com ele o que será ou não conveniente e possível, tal e qual como se faz para o treino de qualquer atividade extra-curricular.

  • 2. Procurar informação sobre o Mundo dos Videojogos, seus riscos e benefícios.

Além da comunicação com o jovem é essencial todas as pessoas manterem-se informadas. O Mundo tecnológico avançou a uma velocidade incrível e quanto mais formos capazes de compreendê-lo melhor, seja para nosso beneficio, seja para podermos prevenir situações de risco para nós e para os outros. Muita é a informação que já se encontra acessível e a internet acaba por ser também um bom meio de descoberta (embora exista também muita desinformação). Já existem também associações e entidades como a Grinding Mind e a Internet Segura que se preocupam em passar uma mensagem sobre este tipo de temáticas, informando e prevenindo situações de risco, potenciando aquilo que é de positivo na atividade.

  • 3. Acompanhá-los a eventos de Videojogos presenciais, como o Lisboa Games Week.

Uma forma de estar presente poderá ser através da participação em eventos de videojogos ou eSports. Este será um bom meio para ter mais conhecimento sobre este mundo e porque ele se torna tão fascinante para os jovens e muitos adultos. Conhecer de mente aberta estes eventos, experimentando esta atividade em conjunto com as pessoas que mais gosta, será com certeza uma experiência enriquecedora e que poderá mudar a visão que tem relativamente a todo este Mundo. Deste modo conseguirá diminuir frases como “Mãe/Pai tu não entendes…” referentes à prática de jogo, procurando compreender como é de facto este meio no seu cerne e as pessoas que o compõem. Um dos eventos que nesta indústria é dos mais conhecidos é a Lisboa Games Week, por exemplo.

  • 4. Negociar de modo adaptado e flexível as regras e rotinas com o jovem.

Criar limites, horários e rotinas na vida diária é imprescindível e também uma ótima ferramenta de prevenção de comportamentos de risco. A criação de regras e horários em conjunto em vez de uma imposição, poderá ser aquilo que é o mais indicado, na qual ambas as partes se ouvem e compreendem tentando chegar a um consenso. Disciplina é amor, e a verdade é que até uma certa idade os pais são as pessoas que deverão saber o que é melhor para nós, mas isso não deve impedir as crianças ou jovens de serem ouvidos e compreendidos. A disciplina deverá ser firme (por mais que custe dizer que “não”) mas também informada e interessada (tornando-se assim credível e compreendida, não existindo o “não fazes porque eu quero/porque não”).

  • 5. Definir consequências claras (positivas e negativas) caso as regras sejam/não sejam cumpridas.

Caso as regras/rotinas não sejam cumpridas é importante também ser definido com o jovem o que acontece em ambos os casos, pedindo inclusive sugestões a ele de como acha que deveria ser penalizado ou reforçado o seu comportamento. Os castigos, em equilíbrio, são importantes e fazem parte do crescimento, fazendo-nos compreender prioridades, restrições, tolerância à frustração em prol de algo melhor para nós e para os outros. Estes também farão com que ao longo da nossa vida nos possamos desenvolver enquanto seres humanos saudáveis já que em adultos as restrições são bastantes e a capacidade de organização diária é essencial. Além disso será também importante reforçar comportamentos positivos e quando as regras e rotinas são cumpridas.

  • 6. Garantir que existe uma comunicação em uníssono entre os pais

Este é um ponto por vezes complicado de realizar, já que não dá para controlar todo o ambiente à nossa volta, no entanto é essencial nesta e muitas outras situações existir uma comunicação em uníssono de ambos os pais. As incoerências de ação ou do modelo de disciplina aplicados (exemplo: a mãe não deixou ir jogar, mas ele foi ter com o pai e o pai deixou) levam muitas vezes a que o jovem crie dinâmicas complicadas com os pais e na sua própria vida, sendo que aprenderá que se não conseguir o que quer de um lado, consegue do outro manipulando, acabando ainda por não ter a sua rotina bem formada nem disciplinada. É então importante que as rotinas acordadas entre todos sejam aplicadas entre todos e que haja uma única voz para o apoio nessas atividades.

  • 7. Fornecer informação psicopedagógica sobre os riscos e benefícios dos videojogos ao jovem.

Muitas vezes não são apenas as famílias dos jogadores que se encontram desinformados, mas também os próprios jogadores. É então importante que os pais, perante a sua exploração do meio possam alertar também os seus filhos sobre os possíveis riscos da atividade quando esta não é vivida de modo equilibrado, ajudando-o a conseguir viver a atividade de modo saudável. É importante definirmos nas nossas mentes que o problema não se encontra no videojogo, mas sim na forma como o estamos a viver, e não me refiro apenas ao jovem mas sim às famílias. Conhecer, saber prevenir e acima de tudo saber aproveitar de modo saudável esta atividade é fundamental, mas isso exige esforço de todas as partes e não de apenas uma.

  • 8. Estar atento aos PEGI dos videojogos no momento de compra.

Em qualquer conteúdo de media a classificação da idade limite é importante já que existem certos conteúdos que podem não ser compreensíveis para jovens mais novos, no entanto apesar de cada caso ser um caso, é mesmo assim importante termos em consideração os referenciais de segurança. Tal como muitos outros conteúdos, também os videojogos têm limites de idade mínima para serem jogados devido aos seus conteúdos, e se esses limites são tantas vezes vistos com preocupação na indústria de cinema, por exemplo, aqui também deveriam de ser. Segundo o ESA (2017), um relatório americano sobre a utilização de videojogos na América, foi reportado que em 90% dos casos os pais encontravam-se com os jovens quando os videojogos eram comprados na loja. Ainda assim a verdade é que encontramos o jogo Grand Theft Auto V (GTA V) que vendeu vários biliões de dólares em cópias, e muitas destas para jovens menores de 18 anos (limite mínimo de idade do jogo). É verdade que muitos jovens jogando acompanhados com os seus pais ou até mesmo sozinhos, poderão compreender o quão moralmente errados certos comportamentos no videojogo são na “vida real”, no entanto é sempre importante termos em consideração as referências de segurança que existem e termos uma atitude compreensível, adaptada e preventiva. Para conseguir saber quais as idades dos vários jogos pode aceder ao seguinte website: PEGI. Neste bastará colocarem o nome do videojogo e verão todas as informações relativas aos mesmos quanto ao limite de idade e tipo de conteúdos.

  • 9. Obter feedback regular por parte da escola sobre o comportamento, resultados e vida social do jovem.

A presença familiar é imprescindível na vida de um jovem, prevenindo inúmeros comportamentos de risco. Sendo assim, prevenir comportamentos de isolamento, bullying, evitamento da escola/aulas, dificuldades escolares, entre muitos outros, será um bom meio de prevenir comportamentos nocivos para o jovem, inclusive na atividade de videojogos. Para tal é fundamental um contacto regular com a escola e com o jovem no sentido de compreender como ele se encontra, como se tem sentido, quais as dificuldades que pode encontrar-se a viver, etc.

Family playing video game in living room

  • 1o. Em caso de comportamentos de risco com a atividade de videojogos, saber quem contactar para tirar duvidas ou intervir.

De momento existem já várias entidades que trabalham com este tipo de situações. Entre elas encontram-se a Associação Grinding Mind (Associação para a Promoção da Vivência Saudável dos Videojogos, criada por mim, por outros profissionais de diferentes áreas relacionadas com o gaming, o que inclui alguns membros da redacção do Rubber Chicken), a qual tem inclusive um serviço de apoio a pais para esclarecimento de dúvidas online ou presencial; o Instituto de Apoio ao Jogador, o qual tem uma linha de apoio sobre este tipo de temática; a Internet Segura, a qual também tem uma linha de apoio para este tipo de problemática; entre várias outras entidades. Fale com alguém! Tire as suas dúvidas!

Referências:

Pontes, H., Griffiths, M., & Patrão, I. (2014). Internet Addiction and Loneliness Among Children and Adolescents in the Education Setting: An Empirical Pilot Study. Resvista de Psicologia, Ciències de l’Educació i de l’Esport, 91-98.
Pontes, H., Szabo, A., & Griffiths, M. (2015). The impact of Internet-based specific activities on the perceptions of internet addiction, quality of life, and excessive usage: a cross-sectional study. Addictive Behaviors Reports, 19-25.
Olson, C. K. (2010). Children’s motivation for video game play in the context of normal development. Review of General Psychology, 14, 180-187
Hubert, P. (2014). O Problema do Jogo – O tratamento da dependência invisível. Plátano Editora
http://www.theesa.com/wp-content/uploads/2017/04/EF2017_FinalDigital.pdf
http://www.pegi.info/pt/index/global_id/505
https://www.pcgamesn.com/grand-theft-auto-v/court-documents-reveal-gta-5-has-generated-3-billion-to-date
https://www.forbes.com/sites/davidthier/2014/05/13/grand-theft-auto-5-has-sold-nearly-2-billion-at-retail/#349add743d30
http://www.grindingmind.com/
http://www.iaj.pt/
https://www.internetsegura.pt/
https://lisboagamesweek.pt/