Mystery Box é uma rubrica mensal de temas-surpresa aleatórios ligados aos jogos e a outros meios interactivos, digitais e não-digitais, apresentada por Isaque Sanches.

Já ouviu falar de The Road Not Taken?

Recomendo-lhe jogar The Road Not Taken, nem que seja por curiosidade, ache ou não que gosta de jogos deste tipo. The Road Not Taken é um jogo que partilha o seu nome com muitos outros jogos; há até um relativamente conhecido na esfera dos videojogos. No entanto este The Road Not Taken é um micro-jogo de roleplay freeform desenvolvido por Mike Young.

Venceu o primeiro lugar do concurso Small Games 2008 da Live Action Roleplayers Association (LARPA). Outra versão do jogo, baseada na primeira, homónima, desenvolvida por Aaron Vanek, acrescenta conteúdo ao jogo original sem mudar o espírito deste. No fundo, é uma expansão.

Acho também importante referir e realçar que ambas as versões têm uma licença “creative commons”, o que significa que podem ser descarregadas e partilhadas gratuita e livremente.

Convido o leitor a consultar os seguintes endereços:

e posto isto, visto que pouco ou nenhum sentido faz, da minha parte, descrever o jogo em detalhe, e resta-me apenas contar as minhas experiências com o mesmo e o porquê da minha recomendação, e de tê-lo escolhido como tema para a sétima edição desta rubrica.

Em The Road Not Taken eu fui uma arma de fogo, coisa que nenhum outro jogo até à data e mesmo até hoje me permitiu. Nessa ocasião éramos quatro: um empregado de loja, a esposa desse empregado de loja, um assaltante que tinha entrado na loja, e eu, uma arma de fogo que o empregado tinha escondido em algum lado – na gaveta do balcão da caixa, decidi.

No entanto, esta só era a estória de um de nós.

Só um de nós podia agir, tomar uma decisão. Aos restantes cabia apenas falar, e falámos todos, uns por cima dos outros, por vezes aos gritos; cada um de nós tinha o seu papel, a sua opinião sobre a situação, e todos queríamos influenciar o empregado.

Isto porque, na verdade, todos nós éramos o empregado de loja, ou um pedaço dele. Isto é, portanto: quem estava a jogar a esposa dele não era a esposa dele, mas a imagem mental da esposa dele; a voz dela na sua mente. O assaltante não era o assaltante, mas a pessoa que o empregado achava que o assaltante era.

E eu não era uma arma, mas a ideia da arma (até porque as armas não falam). Eu era uma arma falante, escondida numa gaveta. Cada um de nós tinha algo diferente para dizer. Éramos todos a mesma pessoa, ou vozes na cabeça da mesma pessoa; vozes contraditórias, que gritavam umas com as outras.

Demasiado meta? Também me pareceu, antes de jogar. Escusado será dizer que a experiência foi estranha.

A esposa do empregado foi lhe pedindo que se mantivesse em segurança; aquela nem sequer era a sua loja; aquele não era o seu dinheiro; amava-o, precisava dele, vivo. O assaltante foi pressionando, queria o dinheiro que veio roubar; ameaçava, usava o medo; mas estava também secretamente cheio de medo. A arma foi-lhe lembrando da própria sua existência, como uma solução implícita, como entidade tentadora.

Dez minutos passaram e a sessão acabou. O empregado reagiu. No fim, não me lembro se tentou disparar ou se lhe deu o dinheiro ao assaltante. Não me lembro porque não interessa. Interessou, sim, o diálogo que levou a essa escolha. Esta foi a minha primeira sessão de The Road Not Taken.

Este relato talvez seja difícil de desencriptar sem mais informação, mas tenho a certeza que não posso explicar melhor do que isto sem enunciar as regras do jogo ou sem escrever várias páginas; se servir de consolo, também não foi fácil para mim desencriptar o que tinha acabado de acontecer. Dentro da minha experiência pessoal com jogos de representação, foi atípico, mas sobretudo marcante. Só um de nós tinha jogado previamente o jogo, e apesar disso deixámo-nos todos levar. Até as pessoas que ficaram só a ver, em silêncio, ficaram visivelmente envolvidas.

Tendo já jogado em várias ocasiões, acho extraordinário que algo tão simples e de duração tão curta possa ter um impacto tão forte.

Mais do que isso: acho extraordinário que, à sua maneira, The Road Not Taken possa contar estórias tão interessantes, e que as conte com uma facilidade inerente aos jogos enquanto meio, enquanto forma de arte.

E é por isso que lhe recomendo, ache ou não que gosta de jogos deste tipo, que jogue The Road Not Taken.