Há mais de dois anos, estava na Gamescom e entre outras apresentações de videojogos apreciei bastante uma da Daedalic Entertainment. Lembro-me perfeitamente de sair da sala com o meu amigo Fernando, já de noite e ele dizer que não tinha gostado de nenhum dos jogos que vimos. E eu perguntei-lhe:

Não ouviste a apresentação, Fernando? Eu lembro-me duma noite como esta em que falávamos sobre eles, Fernando. Tu cantarolavas para ti e suavemente tocavas os pés aos ritmo da música e dos tambores que vinham do trailer.


AER: Memories of Old foi provavelmente dos jogos que mais ansiei nos últimos tempos, todos os meses procurava novidades sobre o seu lançamento, foram mais de 24, não foi fácil. Steam, sites e páginas da Daedalic e da Forgotten Key, pedia ao Ricardo Correia se tinha informações e nada…

Há alguns meses, o Fernando ligou-me do outro lado do mundo onde ele vive, e entre outras coisas de que amigos de longa data metem a par quando já não se falam há muito tempo, ele disse-me que ia receber uma cópia de AER para análise, já que o jogo estava prestes a ser lançado finalmente, e eu respondi-lhe:

Está mais perto agora, Fernando, cada minuto e cada hora pareceram uma eternidade, mas tenho medo, Fernando. Há dois anos era jovem e inexperiente e não estava preparado para o criticar, mas não tenho vergonha de dizer, que a beleza dos cenários e personagens quase me fez chorar.


Nas últimas semanas tenho estado a jogar AER e percebo o porquê da demora, quiseram fazer dele o melhor possível e conseguiram. Memories of Old tem vários pontos a seu favor. Sendo o maior, ser um jogo que se vai jogando, não se joga. A maravilha deste jogo é que nos podemos perder sem a preocupação de chegar a um ponto, não há  pressa de ir de A a B fazer algo para abrir o caminho para C. Há uma história, um fio condutor bastante linear, no qual temos que seguir uma peregrinação, um chamamento divino passando por vários templos até ao final. Mas não temos que o fazer, grande parte do tempo passei apenas a voar, sem rumo, sem destino apenas apreciando a beleza de que paira em AER.

Beleza é um dos outros dois grandes trunfos. Usando uma estética poligonal e minimalista, cria quase uma linguagem própria de imagem. Há muito pouco escrito em AER, e ainda menos falado, mas toda a história de um povo é contada maioritariamente em imagens, em formas, em cultura visual. Há algo que me agrada nos filmes de Star Wars que é o facto de todo o universo parecer usado, tem História, e AER também tem isso, não do mesmo modo mas com o mesmo efeito, ao voar pelas nuvens e vendo as diferentes “ilhas” vê-se que a separação cria uma cultura ligeiramente diferente em cada arquipélago, mas ao mesmo tempo é constante em todo o mapa, há uma essência comum no AER que deixa entender a sua ligação. Há um exemplo bom para entender a diferença das duas linguísticas de AER. Quando não sabemos para onde ir “falamos” com alguém que nos indica um caminho, este diálogo escrito envia-nos para uma direcção e dá algumas pistas acerca do que procurar. Quando chegamos lá, fazendo um caminho mais ou menos longo, podemos ter texto escrito que nos dá mais pistas ou apenas algumas dicas visuais que de modo subtil nos mostram para onde ir. E nos templos, os “enigmas” são apresentados sem uma única palavra dita ou escrita, mesmo assim são resolvidos sem grande desafio por serem simples e naturais mas nunca simplistas ou básicos. Até os personagens simplificados sem cara, têm expressão e conseguem transpor uma ideia de comunicação através da linguagem corporal.

Mas como já podem ter percebido, a grande razão para jogar AER: Memories of Old é o voar. Não sei como foi feita a programação desta parte do jogo nitidamente inspirada nas secções de voo de Legend of Zelda Skyward Sword mas melhorando-a, tornando-a mais polida e natural. É por isso que se vai jogando AER, porque o melhor dele é o tempo que se passa viajando pelos ares. Há pouco que possa dizer sobre isto porque é daquelas coisas que tem que se sentir para apreciar no seu todo. Se pudesse, mudava-lhe a música que me faz lembrar um remix semi-electrónico de U2, quase como há muitos anos havia aqueles álbuns de tudo em Pan Pipe, de Celine Dion a Tony Carreira falhando Manowar que eu nunca lhes vou desculpar, mas é um pequeno pormenor negativo que estou disposto a deixar passar.

Ontem voltei a falar com o meu amigo que desta vez concordou comigo acerca deste pequeno grande jogo e eu lembrei-lhe do que tinha dito:

Havia algo no AER naquela noite, o jogo parecia brilhante, Fernando. Havia lá algo para ti e para mim, era liberdade, Fernando! E agora, apesar de achar que podia ficar a perder, não me arrependo, se tivesse, jogava-o outra vez, fá-lo-ia, meu amigo, Fernando.


AER: Memories of Old é um jogo para relaxar, mesmo ao som de um sample de U2 em algumas secções é perfeito para nos deixar a mente espairecer sem preocupações. É tão reconfortante como um chá quente e uma manta num dia frio de inverno.