Fui contabilizar quantas vezes falei de RIOT desde que ele foi anunciado. Foram 5. Enquanto andava meio mundo exasperado para ter o Shenmue 3, o The Last Guardian e sei lá, o Halo 5, eu andei a contar os dias para poder jogar RIOT, desde que a campanha de Kickstarter foi para o ar algures no início de 2014. RIOT – Civil Unrest é o jogo pelo qual eu mais esperava nos últimos quatro anos, e nos últimos dias de Dezembro de 2017 a versão alpha do jogo finalmente me chegou às mãos.
RIOT (na altura apenas denominado assim, mas acredito que algum celeuma com a detentora do League of Legends há-de ter acelerado a coisa para que o subtítulo Civil Unrest lá viesse à baila) cativou-me de forma relativamente simples. Primeiro pela exímia e complexa animação em pixel art, uma das melhores que já vi, e segundo por intentar fazer algo que não tinha visto antes: criar um simulador de motins, dos dois lados literais da barricada.
É verdade que desde que RIOT – Civil Unrest surgiu como campanha de crowdfunding já outros dois jogos indie fizeram algo semelhante, mas os dois por um tom mais paródia e sátira, jogando com o humor, do que a representação real e profunda o do que a promessa feita por Leonard Menchiari, o criador de RIOT. Anarcute e OKHLOS criavam cada um à sua maneira uma alternativa cartoonizada para a ideia de manifestação e controlo de multidões, mas continuavam a estar a anos-luz das expectativas criadas por Menchiari.
Depois de alguns dias de volta de RIOT – Civil Unrest percebo que estes anos de expectativa tinham grandes probabilidades de levar-me à desilusão, e infelizmente estava certo.
O tom e o ambiente de RIOT são exactamente os que esperava. Com manifestações reais a serem passíveis de serem jogadas tanto como manifestantes como pela polícia, há toda uma construção conceptual em torno destes movimentos que nos soa meticulosamente real. Foi fácil sentir isso depois de ter vivido dezenas de manifestações na minha vida (todas, felizmente, pacíficas) e de ter organizado pelo menos um par delas. Mas os casos aqui representados, como o dos “Indignados” em 2012 aqui na vizinha Espanha, entre outros que vamos desbloqueando à medida que a campanha avança.
Visualmente RIOT é soberbo. Consegue cumprir com tudo o que nos prometeu nos momentos de teasing que fez com os .gifs e pequenos vídeos que foi lançado ao longo destes anos. Tenho uma curiosidade técnica de perceber o processo de desenvolvimento das animações deste jogo. Parece em parte uma adaptação em baixa resolução de imagens reais, editadas frame a frame, mas por outro a estilização das figuras parece demasiado sólida para ser uma mera interpretação de vídeo. Possivelmente este resultado é um cruzamento dos dois, mas a grande certeza que tenho é que RIOT tem uma das melhores execuções em pixel art que já vi num videojogo. A complexidade de cada ecrã com dezenas de unidades individualmente animadas é um verdadeiro prazer de ver, ainda que o caos mecânico de que vou falar a seguir acabe por sofrer com este nível de preenchimento do ecrã.
O calcanhar de Aquiles de RIOT é precisamente a sua interpretação mecânica. Para um jogo com uma premissa tão ambiciosa como o de traduzir para videojogo todas as variáveis políticas e humanas presentes numa manifestação, num entendimento realista delas, a sua aplicação é sobretudo insípida. Resumindo todo o jogo a um mero clique sem táctica das poucas skills à nossa disposição.
Dos dois lados da barricada existe um elemento comum: a possibilidade de alterarmos a nossa intervenção entre o pacifismo e a agressividade. Do lado policial, com dois ou três tipos de unidades diferentes e com poucos botões para utilizar, manter a manifestação controlada é apenas uma questão de ir carregando nas habilidades disponíveis em sequência ou mudar de postura perante os manifestantes. Ainda assim existe uma ligeira diversidade aqui, com unidades de choque para carregar sobre a multidão, ou com agentes com granadas lacrimogéneas para dispersar a multidão. Podemos ter uma inclinação táctica de que tipo de unidade utilizar em cada situação, e a aura mínima de estratégia morre por aí.
Da parte dos manifestantes a coisa fica ainda mais limitada. Podemos adoptar uma postura violenta, ou hiper-pacífica, sentando os personagens no chão, e para além disso podemos construir barricadas, gritar palavras de ordem e pedir ajuda nas redes sociais. E pouco mais.
O controlo das diversas unidades é estranha porque elas não respondem automaticamente, e muitas vezes não acatam as nossas decisões de todo. Este elemento até faz algum sentido pela sensação de descontrolo que estes conflitos costumam ter, e até existe um medidor de tensão que pode levar aos grupos de manifestantes a fugirem, tornando ainda mais difícil o seu controlo.
Mas se esta pode ser uma boa interpretação da volatilidade da multidão enquanto massa anónima, essa tradução mecânica acaba por levar-nos a interagir de forma limitado, pontuando a nossa experiência de jogo com uns cliques e umas tomadas de decisão relativamente superficiais, relegando a noção de estratégia para um micro-espaço.
Não sei se a desilusão com RIOT – Civil Unrest reside totalmente no build up de expectativa que eu próprio criei ou na ideia altamente ambiciosa de Menchiari e da sua equipa de traduzir mecanicamente algo tão complexo, tão sério, com tantas nuances como o comportamento humano e as condicionantes político-sociais do conflito. Tudo isto reduzido a uma mera interacção com uns cliques, que é quase disfarçada pela sua superficialidade com uma das melhores aplicações de pixel art de que há memória.
Existe uma leve possibilidade que o jogo ainda consiga amadurecer até ao lançamento final, mas depois de tantos anos sem dar sinal de vida, parece-me que mecanicamente o jogo já está muito definido. O que apenas vem provar que a minha máxima de nunca esperar nada de ninguém se deve aplicar também a videojogos. A minha grande expectativa desta década tornou-se simultaneamente uma das minhas grandes desilusões.