Como se sentem quando vão sair com um conjunto de pessoas e existem aquelas private jokes que por mais que vocês tentem não conseguem compreender? O sentimento de exclusão instala-se e os rumores em grupinhos começam. Bem vindos a Crosstalk! Um jogo de tabuleiro que desafia amizades e estimula imenso à épica divisão entre grupo de homens e grupo de mulheres (algo que aconteceu sempre que joguei no meu grupo de amigos, mas esperem… talvez este seja um problema do meu grupo de amigos e não do jogo!).

Crosstalk, tal como o seu nome extremamente literal diz, faz-nos viver uma experiência de conversa cruzada em modelo de secretismo. A maioria das mulheres com certeza conhece a verdadeira tática de dar a entender algo sem falar diretamente, esperando que o outro entenda o que realmente estamos a querer dizer (o que por sinal não é só das mulheres e por outro lado não é de todo aconselhável realizar para relações saudáveis!). Ainda assim crosstalk, pela impossibilidade que nos dá de poder falar abertamente com o nosso grupo, faz com que realmente o queiramos fazer e nos frustremos por não poder fazê-lo (o que dizer? Somos seres do contra!).

Crosstalk é um party game no qual a eficaz conversa subtil é a competência a adquirir para a vitória. Existem duas equipas, a preta e a azul. Cada equipa tem de escolher qual é o membro da sua equipa que irá dar as pistas (que chamarei neste artigo de Porta-voz). Assim que essa escolha for realizada ambos os membros que ficaram de dar pistas escolhem uma palavra a partir de um cartão de jogo, palavra esta que as suas equipas terão de adivinhar a partir de pistas que ambos vão fornecer. A equipa que adivinhar a palavra mais rápido ganha o jogo. Simples certo?

Onde se complica? Cada porta voz de equipa dá uma única pista privada à sua equipa sobre a palavra a adivinhar no início do jogo. Após esta ação os porta-vozes nunca mais irão dar pistas diretas à sua própria equipa. Os porta-vozes terão de, a partir daí, alternadamente, dar pistas públicas (ou seja pistas que ambas as equipas vêem). Para vos dar um exemplo, imaginando que era a vez do porta voz preto dar a pista pública, a equipa a adivinhar de seguida seria a equipa azul, tornando-se assim aconselhável que o porta voz da equipa preta dê uma boa pista mas ao mesmo tempo não tão boa para que a equipa oponente não ganhe logo de seguida o jogo.

Os porta vozes poderão ainda fornecer um quadro privado uma única vez no jogo, no qual eles passam informação relativamente às pistas que já foram dadas por ambas as equipas para auxiliar a que a palavra seja descoberta. Nesse quadro os porta vozes colocarão sinais que demonstram como as pistas se interligam para chegar à palavra chave e também quais as pistas que foram apenas para desviar a atenção. Podem ver um exemplo deste quadro abaixo (os 2 Hint Boards).

Cada equipa terá apenas 5 derradeiras oportunidades de 1 minuto para adivinhar a palavra chave, podendo na sua vez tentar adivinhar ou passar a jogada à frente quando ainda não têm segurança da resposta e também para não darem “boas ideias” à equipa oponente.

Este acaba então por ser um jogo de tabuleiro extremamente simples, frustrante (num modo bastante positivo) e ao mesmo tempo bastante social. Tentar compreender a mente dos porta-vozes e as associações que estes estão a realizar para dar as suas pistas, estar atentos aos burburinhos e reações da equipa oponente, estes são realmente os comportamentos e percepções que podemos chamar de “mel” neste grande jogo. Aqui não vivemos apenas a descoberta de uma palavra, mas também a interpretação necessária de um conjunto de reações, emoções e vivências de jogo que todos os parceiros e oponentes estão a trazer ao de cima.

A Arte do jogo é também ela fenomenal, fazendo-nos lembrar um Jogo antigo, mas ao mesmo tempo dando um toque extremamente moderno, no qual a única comunicação que é realizada entre jogadores é através de balões de fala e quadros de plástico em que escrevemos e apagamos com canetas de filtro.

Crosstalk é um jogo de 2017, que esteve presente em Kickstarter, dando para 4 a 8 jogadores com mais de 10 anos de idade. Os designers do jogo (que desde já congratulo) são Brett Sobol e Seth Van Orden, com ajuda dos artistas Jacqui Davis e Ian O’Toole, sendo a publicação dos Nauvoo Games. A sua classificação no BoardgameGeek é de 7.2, valendo aqui referir que é um dos party games que atualmente mais jogo entre amigos.

Aconselho vivamente este jogo, realçando que é bom um jogo trazer-nos a frustração e reflexão por não sermos diretos e assertivos com as pessoas que nos rodeiam. Tal mostra-nos a importância que este tipo de atitudes podem ter na nossa vida relacional e o quanto nos podemos enganar apenas por “assumirmos” o que o outro quer realmente dizer-nos. Por isso lembrem-se! Prefiram ser diretos e tentem sempre compreender as outras pessoas na vossa vida real em vez de assumirem o que o outro vos diz apenas pela vossa interpretação, excepto – claro – quando jogam Crosstalk!