Mystery Box é uma rubrica mensal de temas-surpresa aleatórios ligados aos jogos e a outros meios interactivos, digitais e não-digitais, apresentada por Isaque Sanches.
Já ouviu falar de Plug & Play?
A primeira vez que interagi com Plug & Play, joguei-o numa exposição. O jogo fez-me chorar numa secção de diálogo entre duas personagens.
Plug & Play, desenvolvido por Mario von Rickenbach e Michael Frei, foi lançado em 2015 pela Etter Studio. Drei, o primeiro lançamento relevante da Etter Studio, jogo multiplayer sem comunicação verbal com pairing aleatório (na veia de Journey, que seria lançado em 2012), é desenvolvido entre 2010 e 2013. O conceito nasce da mente de Christian Etter e é desenvolvido por Mario von Rickenbach.
Até então Rickenbach tem um percurso nas artes digitais interessante. Em 2011 termina Ladders to Heaven para o Museu Rietberg em Zurique. Desenvolve uma série de jogos para exibição, entre eles Mirage, um videojogo dadaísta que segue o percurso de um pé que vive num sapato, e Rakete, um jogo cooperativo com pedais físicos, que estiveram expostos em diversos festivais no Norte da Europa.
Michael Frei não lhe fica atrás.
A título de exemplo de projectos interessantes em que esteve envolvido, Frei juntou-se a Florian Faller e a Adrian Stutz para desenvolver (ainda que só temporariamente) Feist, um jogo que John Romero viria a chamar publicamente de “fantástico”.
Em 2013 termina uma curta metragem chamada “Plug & Play”. Um filme que é mais ou menos idêntico visualmente ao videojogo homónimo, e que o leitor pode ver abaixo:
[vimeo 118453180 w=660]
É em 2014 que as carreiras de Frei e Rickenbach finalmente se cruzam de forma formal. Unem esforços pela primeira vez para criar “Finger Simulator”, um trailer interactivo para o Fantoche Animation Festival
[vimeo 102545761 w=660]
Chegamos então outra vez a 2015, e Etter Studio lança Plug & Play. Plug & Play, o jogo, ou a versão interactiva de Plug & Play, o filme, que ganha uma nova dimensão através da sua jogabilidade.
Escrevi acima que o jogo fez-me chorar numa determinada secção. Talvez porque estivesse predisposto a isso, talvez porque no meio da experiência esteja algo fortemente tocante escondido, talvez um pouco das duas coisas. Tenha sido o que quer que seja, Plug & Play é um dos jogos mais marcantes que joguei na vida. Tenho-o instalado no telemóvel ainda hoje.
É das poucas obras interactivas de que tenho memória que explora temas afectivo-sexuais de forma verdadeiramente pertinente; não é só iconográfico, não acha que precisa de ser pornográfico, não usa a metafísica como pretexto para chegar à pornografia, nem levanta questões somente para poder responder-lhes; é uma exploração genuína de um tema humano, do tema mais antigo da Humanidade na verdade, e que, nos jogos pelo menos, parece ser evitado ao máximo por estigma e, por sua vez, por cobardia artística.
E acho que preciso de reforçar o seguinte: embora ache Plug & Play genial, o motivo do meu fascínio não está na minha interpretação dos temas que desenvolve, nem na minha posição em relação aos mesmos, mas no jogo em si, na estrutura da interacção.
Na verdade, podem ser feitas muitas leituras ao jogo; pode também não ser feita leitura nenhuma, o que por si só é uma leitura, e apreciar-se o jogo só pela experiência sensorial. Sou da opinião que todas as leituras são válidas; no entanto, também sou da opinião que há uma tese central que é comum à maioria das leituras, por mais abstracta que seja. E eu poderia dedicar este resto de texto a tentar desconstruir o jogo, e a explicar-lhe a minha opinião sobre este, mas penso que seria uma escolha bastante infeliz da minha parte. Este é um caso em que faria mais sentido tentar descrever do que tentar explicar. Mas também é um caso em que tentar descrever por palavras não faz sentido.
O que terá mais valor, penso, do que qualquer inferência que possa ser feita sobre jogo, será descrever a minha observação de outras pessoas a jogá-lo.
À primeira vez, na maioria das vezes, dá-se um clique mental. Em certos casos não. Tanto num caso como noutro, no entanto, a pessoa entra quase sempre no jogo com uma postura distanciada; é uma defesa contra o choque (neste caso sobretudo visual), a tendência da pessoa é rir-se. E quase que parece ser genuinamente cómico ver, por exemplo, nos primeiros segundos, uma pessoa a correr contra uma parede no meio do escuro; não fosse o facto da pessoa em questão, também por exemplo, não ter cabeça.
Num caso e no noutro, no entanto, dando-se ou não o clique, a certa altura onde se dá ou daria o clique, os risos passam a ser mais forçados. Não há tanta vontade de rir. E a partir daí a experiência bifurca-se. Do clique para a frente nasce um silêncio crescente. Não havendo clique, os músculos que formam o sorriso que vai e volta vão ficando mais contraídos.
Independentemente do quão penetrada é a cabeça da pessoa pelo mood do jogo, o grau de envolvência acaba por ser invariável.
Há sítios no jogo que vão ser sempre frustrantes, há momentos de eureka que vão ser sempre momentos de eureka. Depois há coisas, que dependendo da pessoa, e não de nenhum conhecimento prévio, de inteligência, ou de habilidade, que a pessoa vai resolver com menos ou mais dificuldade. Há também acções que não resultam em nada de importante que a pessoa vai fazer ou não dependendo de quem é.
E reparo, sempre que vejo uma nova pessoa a jogar, que a experiência ramifica ligeiramente dependendo de pequenas acções; descubro novos estados, que não sabia que existiam. A pessoa, acho, num jogo sobre sexualidade, expressa-se sexualmente, saiba ou não; e isso para mim é o melhor da obra.
Para mim, as pequenas coisas – as insistências, as repetições, as coisas ignoradas, a relutância, os objecto de obsessão, as reacções primárias – o capturar dos instintos da pessoa, no fundo – fazem de Plug & Play uma espécie teste de Rorschach informal.
Por fim, a pessoa sorri ou ri-se uma última vez, sempre, quando descobre que um dedo se transforma num pénis.
Mas depois as pupilas dilatam. Fica, queira ou não, saiba ou não, a pensar.