Em Lords of Waterdeep clérigos são pecinhas brancas, guerreiros são caixinhas laranja, magos e ladrões resumem-se eles também a simples peças. Além da possibilidade de manipular aventureiros como se fossem meros recursos, o que atrai então neste jogo?
Jogos de tabuleiro? E os RPG?
Ultimamente tenho tido a possibilidade de recuperar algum do conhecimento sobre jogos de tabuleiro. Não é segredo que me tenho dedicado nos últimos anos quase exclusivamente aos Jogos de Roleplay. Certamente não pretendo abandoná-los agora.
Acho importante, no entanto, que um game designer, ou até mesmo um simples mestre de jogo explore o maior número de jogos diferentes possível. Quantos mais jogos explorar, mais ferramentas terá à sua disposição para trazer para os seus próprios jogos.
Ao invés de limitar-se a ler as regras, experimentar os jogos permite-lhe observar o jogo emergente. Por jogo emergente refiro-me às dinâmicas que surgem à mesa, inevitavelmente ligadas a uma ou outra escolha de design. É sobretudo a jogar que se consegue explorar os sentimentos que surgem durante a partida e como cada tipo de jogador diferente os influenciam.
O cenário familiar de D&D
Lords of Waterdeep é um jogo de tabuleiro em que o Lore abunda, ou não fosse este baseado em Dungeons & Dragons, nomeadamente em Forgotten Realms, um dos mundos cujos direitos são geridos pela Wizards of the Coast. Waterdeep situa-se em Faêrun, nome do continente. É, mais propriamente uma das cidades que recheiam a Costa da Espada (Sword Coast). Nela a intriga predomina.
Os Senhores que dominam sobre esta cidade manipulam por entre as sombras os destinos dos aventureiros. Estes desembocam na cidade como se meros peões fossem. Para atingirem os seus objectivos usam agentes, que interagem com a plebe por si, sem nunca revelarem a verdadeira identidade do seu patrono. Nas raras ocasiões em que estes Senhores podem ser vistos pela cidade, tomam cuidado para usar sempre uma protectora máscara. Desta forma os seus pares nunca aprendem qual a sua verdadeira identidade até que seja tarde demais.
Temos portanto as peças dispostas na mesa para um grande jogo de intriga e algum apunhalamento nas costas, sem que o verdadeiro vencedor seja revelado até aos últimos instantes.
Como funciona o jogo?
Lords of Waterdeep utiliza uma mecânica relativamente simples de worker placement, onde os agentes dos senhores devem tentar ser os primeiros a ocupar os lugares mais apetecíveis. Deste modo podem receber quests, contratar aventureiros, ou tentar tramar os esforços dos colegas lançando intrigas.
Tendo um Senhor recursos e aventureiros suficientes para preencher uma party, pode no final de cada turno escolher completar a quest correspondente, colhendo assim os seus benefícios. Os benefícios de uma quest não se resumem só a Pontos de Vitória. Upgrades às capacidades do Senhor nos tratos com os habitantes da cidade vêm associados a plot quests.
Conforme o jogo vai avançando, os Senhores expandem a sua influência. Isto repercute-se na quantidade de agentes à sua disposição. As casas disponíveis também são expandidas pelos próprios Lords, à medida que vão construindo novos estabelecimentos comerciais pela cidade. Estes empreendimentos disponibilizam todo o tipo de serviços apetecíveis. Cada vez que um Senhor rival os utilizar, terá obviamente que pagar.
No final do jogo, revelam-se as identidades dos Senhores em jogo, o que pode levar a uma reviravolta surpreendente. É que os Lords quando são revelados vêm com pontos de vitória extra. Estes pontos estão associados a directivas específicas sobre as actividades preferidas de cada Lord. Desse modo, um jogador que esteja em último durante a derradeira ronda ainda tem hipóteses de competir com os outros. Caso tenha aderido estritamente ao código de conduta, associado ao Senhor que representa, marcará pontos extra no final.
Lords of Waterdeep na prática
Nunca tendo jogado anteriormente o jogo, olhando para a quantidade de opções no tabuleiro poderia ter-me sentido facilmente sobrecarregado de opções. Isso não aconteceu. Lords of Waterdeep é um jogo fácil de entender inicialmente. Consigo antever que será, no entanto, de difícil mestria. Esta dificuldade prender-se-á não só com a componente humana. A diversidade e quantidade de opções, que exponencialmente vão aumentando, adicionam complexidade ao jogo.
Iniciei o jogo numa perspectiva de Roleplay, tentando inventar histórias relacionadas com os acontecimentos à mesa. Rapidamente essa fachada caiu, dando lugar a uma promessa de vingança direccionada a um dos colegas de mesa mais zelosos na sua ânsia de travar o meu merecido progresso. Essa rivalidade saudável entre Lords terminou com a vitória de um outro jogador, mais introspectivo. De mansinho foi fazendo o seu jogo sem atrair muita atenção para si mesmo. Resumindo e baralhando, foi um renhido jogo, uma vez que os dois primeiros acabaram com apenas 1 ponto de diferença entre eles.
Quem marcou muitos pontos inicialmente tornou-se um alvo, tal qual seria de esperar num jogo de intriga palaciana sob um cenário de fantasia medieval.