Os livros de ilustração infantis são omnipresentes, e ainda bem. Existe uma certa solenidade a forma como os passamos em mãos para os nossos filhos, construindo a sua biblioteca com novos livros, da mesma forma que alguém fez antes connosco, criando um acervo que é mistura de gerações. Os videojogos nunca irão roubar este espaço, mas acredito piamente que ajudarão a criar novos hábito de leitura, fazendo uma ponte narrativa entre os meios tradicionais de contar histórias e os meios interactivos.

É precisamente nesse espaço privilegiado que encontramos She and the Light Bearer, que será lançado em breve e cujo primeiro capítulo já tivemos o prazer de jogar.

She and the Lightbearer é um jogo indonésio produzido por dois estúdios indie experientes, Mojiken Studio e Toge Productions. O jogo conta-nos a história de um pirilampo que anda desesperadamente à procura da entidade conhecida como Mãe, numa abordagem que facilmente veríamos num excelente livro de ilustração infantil. Fiz, aliás, o teste de jogar este primeiro capítulo com o meu filho, lendo-lhe os diálogos como se fosse um livro, e percebi que são jogos como este que podem trazer um novo público (literalmente crianças e jovens) para géneros que tradicionalmente foram ficando interligados a um público (hoje) mais velho. O resultado é uma aventura gráfica que bebe muito em termos de ritmo das visual novels mas adapta-o para uma linguagem e ritmo que relembra a obra do magnífico animador/realizador Tomm Moore.

“Tudo o que a nossa vista alcança é o nosso Reino, Simba”

Esta é uma aventura-gráfica com uma direcção de arte brilhante. É impossível não ter a certeza que já ficaríamos verdadeiramente embevecidos se “apenas” víssemos estas ilustrações num livro, e tê-las animadas e interactivas em ambiente e videojogo é enternecedor pelo resultado verdadeiramente brilhante alcançado, em que o trabalho dos ilustradores constrói um brilhante mundo infantil. Olharmos para o cenário e vermos as flores e arbustos que parecem ondular com o vento, com os muito pormenores coloridos e preenchidos com padrões que adoçam ainda mais o amor pela Ilustração que este jogo transpira.

O primeiro capítulo disponível para imprensa é curto demais. E digo-o como o maior elogio possível, depois de ter passado alguns minutos a adorar as interacções entre o nosso meigo pirilampo e as orquídeas que estão constantemente a “meter-se” com ele. Os personagens são doces e a história tão terna quanto possível, criando as expectativas para sabermos afinal quem é a tão enunciada Mãe (acredito que seja uma encarnação da Natureza) e quem é o vilão cujo nome apenas é suficiente para causar alguma sombra de terror sobre a floresta.

O verdadeiro Pirilampo Mágico

O excelente ambiente musical deste jogo (cujos autores até definem de forma certeira como um cruzamento de aventura point ‘n click, álbum musical e livro infantil) foi composta por uma banda de Surabaya chamada Pathetic Experience e que ajuda a  desenvolver esta ligação a um dos mais bonitos jogos indies que nos chegaram às mãos este ano.

Dificilmente She and the Light Bearer conseguirá penetrar no mediatismo que a sua qualidade merece. Com as devidas diferenças, de tom, e de destino, está no caminho trilhado por Gorogoa mas com muito menos exposição e burburinho. Mas é uma nova forma de ler um livro infantil que todos os pais jogadores deveriam partilhar com os seus filhos.