A procura pelo amor é provavelmente o objectivo máximo de todos nós, independentemente de que tipo de amor estejamos a falar. Para alguma pessoas a maior dor na vida é nunca terem capacidade de se amarem a si mesmas, resultando na inabilidade de permitirem que qualquer outra pessoas as ame. Para outras é o vazio de nunca terem percebido o que é nunca terem sido alvo do amor de alguém.

Acredito que um contributo grande para a grande incógnita que é o sucesso de uma relação amorosa, com tantas variáveis quantas podemos imaginar, é percebermos e aceitarmos o quão complexo o amor é. Mas para vermos quem somos no amor, e o que queremos dele e o que esperamos de quem amamos precisamos de compreender no que acreditamos. E quem somos no amor.

Ao contrário do que possam acreditar depois destes primeiros parágrafos, o meu perfil de editor do Rubber Chicken não foi tomado pelo Gustavo Santos, até porque dificilmente conseguiria chegar ao nível de iluminação que ele tem, a menos que decidisse enveredar por uma dieta à base de lâmpadas. O amor é um assunto sério e merece ser falado como tal. Foi nesse espírito que o estúdio Team Gotham desenvolveu Solo, um puzzle game introspectivo que nos fala e nos põe a falar sobre amor.

Solo coloca-nos perguntas que muitos de nós nunca nos colocámos, e muitas outras que nunca fizemos à pessoa que amamos. Acreditamos que o amor é eterno? Inabalável? Monogâmico? Fiel? Falível? Com data de validade? Já amámos? Já nos amaram? É numa jornada solitária por uma série de arquipélagos visualmente brilhantes e ternos que responderemos a estas perguntas.

O jogo pede-nos, com toda a legitimidade, que sejamos o mais honestos para com as respostas que damos possível. É curioso que o ambiente introspectivo de Solo (em muito demarcado pela excelente banda-sonora) carrega o peso de cada pergunta. Para algumas perguntas as minhas respostas foram imediatas, para outras tive de olhar para as opções e colocar-me essa mesma questão. Em que acreditava eu, afinal, em situações sobre as quais nunca tinha pensado?

Solo podia ser aborrecido na sua abordagem, mas conseguiu criar uma linha condutora entre toda a experiência. Experiência, é, aliás, a palavra certa para o definir. Em cada uma das ilhas que compõe os vários arquipélagos que descobrimos temos de cumprir um puzzle em que temos de acordar um totem. É esse totem que nos vai colocar essas perguntas, que nos vai deixar com mais perguntas em resposta a nós, que nos fará reflectir sobre a nossa posição em relação ao amor, e quem desbloqueia novas ilhas para que vamos progredindo.

O ritmo como o fazemos depende inteiramente de nós, da forma como vivemos estas ilhas, como resolvemos os mini-puzzles opcionais relacionados com os animais que lá encontramos ou simplesmente para parar num banco ao lado de um representação nossa e reflectir sobre a vida. Ou tocar guitarra, introspectivamente. Algumas vezes é encontrar forma de unir um casal de animais separados pelo espaço, no outro fazer florescer um jardim que estava seco. Tudo metáforas para o tema subjacente, o amor, esse força motriz que Solo nos lembra constantemente que é aquilo que nos motiva. E nos relembra que foi aquilo que permitiu a nossa existência, por sermos o fruto do amor entre duas pessoas.

Para resolvermos os puzzles tridimensionais temos de utilizar uma varinha mágica que nos permite transportar o mais variado tipo de caixas, para que elas nos conduzam aos totens. Os puzzles não têm soluções fixas, tal como o amor. Quase tudo no doce Solo nos faz pensar nisso e na pessoa que amamos, e não apenas pelo facto de que o nome que introduzimos nos é relembrado pelo jogo, mas porque os puzzles, as ilhas e a linha narrativa nos leva sempre de volta para o tema do amor.

Em muitos puzzle games narrativos sentimos que a história e o enredo são colados como forma de dar uma camada superior à componente mecânica, mas aqui cada puzzle serve como espaço de reflexão sobre a pergunta que nos foi feita pelo totem. Há um fio de Ariadne que unifica toda a experiência, que nos faz ir de ilha em ilha a descobrir o que vai sendo revelado, mas sobretudo a descortinar algo em nós.

Falando sem conhecimento de causa, é impossível não sentir alguma expressão catártica de quem desenvolveu este jogo. Há perguntas que os totens colocam e que parecem ser direccionadas para si mesmo, como se os criadores estivessem a exorcizar demónios nesta jornada que nos construíram. Como se esta jornada não fosse apenas nossas, mas fosse muito deles. Há uma melancolia generalizadas que me parece genuína, intimista, e que poderia assumir este jogo como uma expressão pessoal do processo de dor e de ultrapassagem de alguém.

Solo é um jogo de nicho e para além de ser um puzzle game interessante e desafiante, com aplicações e ideias diferentes de ilha para ilha, o seu grande desafio conceptual passa por falar de um tema tão difícil quanto o amor. Mas não fica por aí, e leva-nos a colocar questões difíceis, pesadas, que se enquadram na tensão emocional que o jogo tem. Com uma direcção artística meiga, Solo mostra-nos também que falar de amor é também falar de tristeza, à medida que nós e o protagonista tentamos encontrar o sentido das relações amorosas como um puzzle melancólico que se resolve no peito. E representa bem o que tantos poetas ao longo do tempo já nos avisaram: o amor também é um lugar triste.