Tenho o desktop do meu PC cheio de ícones de jogos, maioritariamente indies, todos devidamente organizados entre os que instalei dos milhares que comprei nesta década, passando por jogos sobre os quais vou escrever, e se vão, ou não, encaixar-se numa Caçada Semanal. Como não tenho o hábito de ler sobre os jogos que vou escrever, costumo aproveitar quando todos em casa já dormem para ir jogando estes jogos. O pior que pode acontecer é um jogo ser tão aborrecido que me adormeça ao teclado. Pensando bem, o pior que pode acontecer mesmo é ficar tão mergulhado num jogo que quando dou por mim só me restam poucas horas de sono.
Last Encounter, criado pelo estúdio Exordium Games, foi um dos últimos casos. Um twin stick shooter espacial com elementos roguelite que não reinventa o género mas que conseguiu manter-me agarrado com o seu alto desafio e com muitas ideias que nunca antes tinha visto.
É difícil inovar nos clássicos shoot’em ups. É possível dar-lhes uma roupagem aparentemente nova e estender artificialmente a sua longevidade com uma dificuldade acima da média, mas raramente existem razões para ficarmos com um jogo do género na memória. É habitual que diversos elementos de customização sejam inseridos para dar um sabor diferente a algo que rapidamente entra num ciclo de repetição.
Antes de entrar na hiper-customização da nossa nave e piloto, tenho que falar daquele que é o grande ponto de criatividade de Last Encounter: o design dos inimigos. Muitos jogos precisam de criar alternâncias criativas com a mudança de ritmo imposta pelas boss fights, pela sua estatura e poder. Neste jogo cada novo sector da galáxia apresenta ideias novas sobre os inimigos, trazendo alterações mecânicas que nos obrigam a adaptar de cenário para cenário.
Ainda agora estou espantado como é que consegui chegar tão longe na minha primeira playthrough, com Last Encounter a atirar-me uma série de bolas curvas aos quais não estava preparado. Seja uma das primeiras galáxias onde nos cruzamos com embarcações orgânicas que se movem por nuvens de veneno, ou uma outra onde o controlo de gravidade é uma das forças dos adversários, e onde temos de “reaprender” a movimentarmo-nos nesse território hostil.
A estrutura processualmente gerada por cada galáxia obriga-nos a tarefas simples, e que passam por destruir todos os inimigos antes de passarmos para o próximo sector. Depois de desbloqueadas as chaves de acesso da galáxia podemos regressar a um portal que nos vai levar pelo hiper-espaço para uma galáxia longínqua, mas nem sempre mais difícil. Pelo caminho vamos tendo upgrades temporários que servem apenas na corrente playthrough, e tantas outros que poderemos comprar novamente na nossa nave-mãe em caso de morte.
O curioso das playthroughs subsequentes à primeira é que o jogo vai experimentando combinações de inimigos nas galáxias processualmente geradas, e que já não ficam limitados à “temática” subjacente do “nível”. Ver naves controladoras da gravidade com orgânicas recheadas de veneno é uma das realidades que nos obriga a estar constantemente preparados para as bolas curvas de Last Encounter.
Com diversos modificadores acumuláveis, é esta experimentação de combinações que vem trazer a longevidade a um jogo interessante, com excelentes, com óptimas e inovadoras ideias de como repensar o tipo de inimigos que existem nos schmups, mas que mesmo com os níveis proceduralmente gerados acaba por cair eventualmente na monotonia que quase parece fazer parte do código genético do género.
Last Encounter permite um modo co-op até 4 jogadores e que serve de maior elemento desestabilizador do que o inverso. Aliás, como em muitos shoot’em ups, a quantidade de partículas no ecrã é tão grande que adicionar mais 1, 2 ou 3 jogadores só vêm aumentar o caos visual, e mais são as vezes em que isto prejudica do que as que ajuda.
Este é um excelente schmup roguelite com uma vertente mais táctica, em que a nossa movimentação e aproveitamento do desenho dos níveis é o elemento diferenciador entre o sucesso e insucesso. Com mecânicas interessantes atribuídas aos inimigos, é sem sombra de dúvida um dos jogos do género com maior capacidade de se diferenciar na saturação de um mercado que é em si mesmo um verdadeiro bullet hell de clones dos shooters clássicos.