Recentemente foi anunciado um evento de desportos electrónicos dedicado a 100% ao sexo feminino, a ser organizado em Portugal nos dias 20, 21 e 22 de Julho, falo do Girl Gamer Festival.

Apesar de eventos dedicados a uma demografia específica serem algo fora do comum, não é nenhuma novidade, este evento aconteceu com praticamente os mesmo organizadores no ano passado em Macau, e para factor de exemplo tivemos também já algumas formas de eventos e convenções dedicadas às comunidades LGBTQ+ a serem realizados nos Estados Unidos, França entre outros países.

A opinião generalizada do público desinformado é sempre a mesma: porque razão existir um evento que parece promover a segregação ao invés da inclusão? Porque razão separar mais um mundo já separado? Os videojogos não significam inclusão? Ninguém faz um evento só para homens heterossexuais!

Pois deixem-me dizer-vos que essa era também a minha opinião. Não me considero uma pessoa chauvinista e inclusive estou representado na sigla pela letra B naquela sigla lá em cima, pelo que me incluo nessa mesma comunidade. Mas mesmo assim não percebia, ou nunca me dei ao trabalho de perceber o porquê de haverem eventos dedicados a isto e aquilo em 2016, 2017 ou 2018 etc.. sendo que teoricamente estamos a viver a época mais inclusiva desde que há memória. Muito me enganei ao achar isso, por um motivo muito simples: aceitação e integração não são sinónimos.

Quem me conhece sabe que não sou de tomar opiniões formadas sem explorar primeiro, pelo que me fiz à Internet e pesquisei, pesquisei muito. Até que encontrei algumas coisas interessantes, principalmente nas caixas de comentários espalhadas pelos inúmeros sites e grupos em que entrei. Depois de ler muita barbaridade (mesmo muita), fui lentamente percebendo qual o problema geral da maior parte dos eventos de videojogos e mais em concreto desportos electrónicos em geral. Apesar destas comunidades serem aceites, estão a anos de luz de serem integradas, isso é a parte mais importante e que muita gente se esquece. Podemos começar pelos artigos que se vendem nas lojas espalhadas por esses eventos e seguir até aos materiais publicitários que têm sempre como público alvo, homens heterossexuais, e nem vou entrar por questões raciais porque não é disso que este artigo se trata e dá material para outro artigo.

Sendo este o pride month quantas vezes, já viram reacções como “onde está o mês do hetero?” ou a típica do dia da Mulher, “quando é o dia do Homem?”. Parece normal esse tipo de questão para algumas pessoas, que apenas olham para um formato de igualdade pensado em números, se existe dia de um tem de haver dia do outro para balançar. O “dia da mulher” é representante da igualdade de género e o “mês do orgulho gay” é um mês pela inclusão dessas mesmas comunidades no dia a dia normal. O mesmo se está a aplicar aos eventos. O que estas pessoas não procuraram entender foi o porquê de estes eventos, dias ou meses terem sido criados em primeiro lugar. Sempre que existe um evento de videojogos generalista, esse evento é “vosso” meus caros, não é feito para incluir ou integrar ninguém, é feito apenas para comemorar algo já existente. Eventos como o Girl Gamer Festival têm um propósito diferente, integrar, neste caso o sexo feminino, com a indústria dos desportos electrónicos, sem ser assoberbado pelos acordos e funcionamentos já estabelecidos de muitos anos de eventos virados para o público geral, apesar das mentalidades de muita gente já terem mudado, a indústria é sempre a última a fazê-lo, e sempre por necessidade.

Para quem acha que essa evolução já está feita ou praticamente feita, só precisa de ler alguns artigos ou ver por exemplo o chat da plataforma Twitch durante torneios femininos para perceber o quão longe estamos desse passo em frente. Quem não vê ou está em negação ou não quer ver, mas é ainda a nossa realidade e empurrar para o lado não leva a lado nenhum. Misoginia está presente, homofobia está presente, e já pareço uma feminista a falar mas não quero entrar por esse tipo de etiquetas, sou apenas alguém que está por dentro deste mundo dos videojogos e vê constantemente o que se passa. Desde manifestações contra personagens LGBTQ+ até ódio a protagonistas femininas. Tudo porque “não se conseguem identificar com isso”, então e as pessoas que partilham dessas identidades sociais não têm direito ao mesmo? Os jogos não são o apogeu da inclusão social? Se parece que estou a fazer uma angry rant é porque estou mesmo, certas coisas tiram-me do sério.

Geguri(esquerda) e Muma(direita). Ambos jogadores profissionais de Overwatch. Ela uma mulher a jogar numa liga “de homens”, ele um homosexual a jogar numa liga “de heterosexuais”. O que têm em comum? É exactamente a mesma liga.

Eu gostava de um dia ver um evento onde exista realmente uma comunidade de todos para todos mas para esse evento chegar, iniciativas destas serão necessárias. As marcas têm de ver que existe este tipo de público sem o mesmo ser esmagado num evento generalista e por fim completamente ignorado. Os criadores de conteúdo precisam de ver que as mulheres, os homossexuais, os transsexuais, etc.. também compram os seus jogos, também jogam competitivamente, também consomem o seu produto. Este tipo de coisas não se notam num evento generalista, passam despercebidas como uma gota no oceano porque tudo já está pré-programado num sentido.

Estou com um interesse marcado em saber qual será o tipo de atenção nos media dirigida a este evento. Mais ainda, estou ansioso para ver qual a adesão ao mesmo, e para bem de todos, que haja mais gente que bilhetes. Nós, jogadores, agradecemos, os videojogos agradecem, e todos aqueles que lutam por um passo que seja na direcção da igualdade agradecem, mas olhem para mim, já pareço um Nobel da paz a falar, ao que os “trolls” da Internet me levam..

Deixo-vos aqui com uma das minhas cenas favoritas num jogo, o beijo entre Rider e Reyes Vidal em Mass Effect: Andromeda:


Sentiram-se ofendidos? Óptimo, é o primeiro passo para uma discussão sobre a mudança de paradigmas.