Eu, fã da Nintendo, me acuso. Apesar da imparcialidade crítica de seguir a E3 com um olhar de avaliação do que é o mercado hoje e o que será amanhã, existe em mim uma ansiedade muito especial em saber o que a companhia que “me fez” jogador tem reservado. E ainda hoje o melhor momento de todas as E3 a que assisti foi o fatídico último Nintendo Direct de Iwata, substituído por um Muppet meses antes da sua morte. É-me quase imediata a sensação de nó na garganta quando me lembro desse momento, que juntou não só uma tremenda estratégia de marketing com um genial Nintendo Direct cheio de conteúdo que nos deixou a ansiar o futuro, como o peso emocional que só viríamos a perceber a posteriori dessa E3.
O Nintendo Digital Event desta E3 2018 tem dois momentos muito distintos: uma em que a Nintendo foi a Nintendo, apresentando e “destapando” algumas das novidades do que aí vem ainda que um pouco fora do ritmo habitual, criando entusiasmo sobre os próximos meses em torno da Switch, e uma segunda parte que ocupou quase 80% de toda a apresentação em que a Nintendo quis fazer uma experiência social. Esta experiência passava por fazer uma apresentação de E3 tão longa e aborrecida que se queria medir o tempo que os sujeitos do estudo (todos nós) demoramos a ficar deprimidos.

Vão falar de Super Smash? Boa! E do que mais?
A apresentação de Super Smash Bros. Ultimate foi tão longa que as expressões de desilusão e enfado que nos viram fazer no Twitch devem ter sido semelhantes às de muita gente pelo mundo fora. Houve uma progressão entre os primeiros 11 minutos em que a Nintendo apresentou novos títulos, novas promessas e confirmou outras apostas do que se lhe seguiu. Pelo meio ainda ficou a atenção nas novidades de Super Smash Bros. Ultimate, ainda que eu julgasse que o Nintendo Direct dedicar-lhe-ia alguns minutos e que iriam passar para algo mais a seguir. Mais um pequeno teaser do próximo Yoshi, do Metroit Prime, ou de qualquer outra coisa. Mas não. O que se seguiu foram 27 minutos de explicação exaustiva sobre Super Smash, personagem a personagem, inovação a inovação, que depois de espremido dá um sumo de “parece que não tinham mais nada para mostrar”. E nós bem sabemos que tinham.
Um fanboy da Nintendo vai automaticamente rebater: “ah a Nintendo não liga muito à E3 agora, este é o modelo que querem aplicar ao certame”. Aceito isso. Compreendo até, já que Iwata “ensinou” a sua comunidade a ter ligação directa consigo, regular, onde uma corporação que tinha à proa um coração quente mostrava que se importava com os seus consumidores, e que de alguma forma os via como gente próxima.
O meu problema com o Nintendo Digital Event deste ano não se reporta à forma nem a parte do conteúdo. Mas gostaria de perguntar a alguém envolvido no marketing como é que esperavam cativar o público não-afecto à companhia com uma apresentação tão enfadonha que parecia que Sakurai estava a encher um dos maiores chouriços que já vimos serem enchidos em televisão. A sequência exaustivamente dedicada ao Super Smash Bros. parecia um filibuster em palco de videojogos. E eu não percebo o que é que a Nintendo, os media e os consumidores ganharam com este Direct.
Podem dizer que a Nintendo não se importa com a E3 mas isso é uma tremenda falácia. Primeiro porque se percebe (e o nosso Nuno comprová-lo-á no seu artigo, já que esteve na área da Nintendo ontem lá em LA) que a companhia não só respeita como percebe o palco privilegiado que tem naquele que é um dos momentos-chaves anuais do mercado de videojogos. A sua presença no certame (e em todos os que participa) é de uma entrega tremenda em abrir os braços a um número crescente de público.
E nós bem o sentimos com a ligeira mudança de tom na linguagem publicitária da Nintendo. É óbvio que quer (e deve) chegar a mais gente, a públicos fora das barreiras das comunidades já cimentadas. Nesse aspecto a E3 é perfeita porque é o momento em que a atenção de todos os media, especializados e generalistas, dos quatro cantos esféricos do mundo está apontada para LA. As expectativas que todos têm em relação aos seus Nintendo Direct são imensas porque sendo ou não uma forma de comunicação diferente das restantes conferências da E3, para o público e para os media o peso e a importância são iguais. No final de contas o meu grande problema com este Nintendo Direct é que cheira demasiado a oportunidade perdida de conseguir vender a sua mensagem e as suas ideias, canibalizando a atenção especial que todo o mundo lhe deposita naquele período em troca de uma apresentação – repito – cansativa de Super Smash. Bros. Não seria possível fazê-lo num Direct daqui a 2 semanas e ter uma lógica mais aberta a este? Ao invés de falar das novidades com a dedicação e o tempo de quem lê o rodapé de descargo legal de um medicamento numa publicidade televisiva ou radiofónica?

“O mistério de Dr. Nin e Mr. Tendo”, num YouTube perto de si.
O pior de tudo é que há uma certa bicefalia da Nintendo neste Nintendo Digital Event. A continuidade da necessidade de vender a Switch como um objecto cool com conteúdo promissor e por outro a circunscrição do evento a uma leitura do manual de instruções de um título. Tenho sentido progressivamente que há grandes mudanças (expectáveis) na Nintendo pós-Iwata, e se vamos sentindo a sua paixão e a sua alma em momentos como a Switch ou mesmo o Labo, são apresentações como estas que me parecem frias, criando um abismo onde Iwata durante anos cultivou uma ligação especial.
Por outro lado transparece realmente a ideia de que há pouco a chegar para a Switch. O que se consegue até compreender porque algum fruto do tremendo sucesso do primeiro ano de vendas da consola passou pela Nintendo ter entregue imensas munições nos seus primeiros 12 meses. Algo quase atípico na história dos lançamentos de consolas, e que a tornou quase automaticamente uma aposta segura, com um catálogo animador semana após semana, mês após mês. É esse conforto que o público, os media e até os accionistas da Nintendo precisam de sentir, que esse fulgor pode ser refreado porque houve muito combustível empregue para propelir a Switch no seu primeiro ano, mas ainda há muita gasolina para queimar. Essa ideia reconfortante não é decerto passada com um lusco-fusco corrido de lançamentos a servirem de banda de abertura para o concerto mais aborrecido do mundo.

“E neste jogo afinámos o azul da roupa da Wii Fit Trainer para um R108, G163 e B194, para ser mais precisos do que no anterior que era R106, G163 e B194.
Nos difíceis anos da Wii U havia algo que se sentia neste momento preciso: que a Nintendo utilizava o palco privilegiado da E3 para demonstrar que as suas duas consolas tinham muito e bom catálogo a chegar. Sobretudo num ritmo comunicacional que fazia das suas apresentações digitais uma tremenda masterclass de marketing.
E depois temos isto deste ano.
A minha desilusão com a prestação da Nintendo é tremenda como devem imaginar. Porque esta apresentação teve uma óbvia falta de calor humano, um crasso erro de ritmo comunicacional e é sobretudo uma oportunidade perdida de ter a atenção que um Nintendo Direct comum não tem, resultando na participação mais fraca da companhia na E3 de que me lembro.
Receio que muitas das boas e diferentes ideias que recebemos nos últimos três anos ainda sejam filhos do talento e da paixão de Iwata e que o que aí se segue seja, tomando por esta amostra de evento digital, uma paisagem estéril de humanidade. Que os departamentos de marketing da Nintendo repensem a sua posição e que olhem para trás para o que a tornava tão única. Porque assumo que as cerca de 20 milhões de unidades de Switch vendidas não são o patamar onde querem ficar presos pois não?