Tem sido bastante interessante observar a evolução do jogo Clash Royale, que surgiu como um jogo de coleção de cartas pay-to-win, com alto ênfase no jogador casual e de tenra idade. Apoia-se na colectânea de figuras desenvolvidas para o jogo Clash of Clans, outro jogo da empresa Finlandesa Supercell, mas mecanicamente é bastante diferente.

Clash of Clans é um tower defense de vertente social, uma espécie de filho fruto de uma união entre Backyard Monsters e Travian. Já Clash Royale parece ter surgido da vontade de trazer uma espécie de Hearthstone e League of Legends para o telemóvel. Os jogadores colecionam e constroem baralhos de 8 cartas que lançam numa arena virtual de 2 caminhos, com o intuito de destruir as torres que defendem o campo do inimigo. O jogo foi lançado em 2016 e foi bastante bem sucedido, atingindo o topo da loja da Apple em 2016 e suscitando inúmeros clones de outras empresas, sendo possivelmente o mais conhecido de momento o jogo Star Wars: Force Arena.

Clash Royale sempre foi um jogo que tentava agradar a Gregos e Troianos.  Se por um lado o design freemium apelava para um esquema de monetização de apelo às baleias, com uma loja super inflacionada e um esquema exponencial para maximização de cartas. Um pequeno parêntesis para terem uma ideia dos valores que certos jogadores são “obrigados” a gastar no jogo: há um ano atrás alguém no Reddit tinha feito as contas de que custava mais de 20 mil dólares para maximizar as cartas que na altura existiam (e estão sempre a sair mais cartas). A partir de 4000 pontos de ladder já é possível encontrar jogadores com decks maximizados, o que torna a progressão bem difícil e a batalha bastante injusta.

Por outro lado o design abonecado, tipo cartoon, filtros de profanidades e aparente simplicidade do jogo para o iniciado atraiu muitos jogadores de tenra idade, que esperamos não tenham gasto vinte mil dólares dos cartões de crédito dos pais (na realidade se isso acontecesse os pais, ou outros devidos donos, poderiam ser ressarcidos, sendo removidas as gemas e ficando os infratores com gemas negativas nos seus perfis).

Só para terem uma ideia da quantidade de jogadores e dinheiro de que estamos a falar deixo-vos alguns factos não oficiais: estima-se que a Supercell em 2015 faturasse 1,5 milhões de dólares por dia originários do Clash Royale. Em 2017, durante o evento competitivo Crown Championship Challenge, participaram 27 milhões de jogadores diferente. O prémio monetário atribuído ao jogador que ganhou o torneio foi de 150 mil dólares. Em 2017 a Supercell declarou 810 milhões de dólares de lucro.

No entanto nem tudo vai bem no Reino da Clashmarca. Vários jogadores conhecidos abandonaram o jogo, e as queixas de que o jogo estaria a morrer têm vindo a amontoar-se nos últimos meses. O interesse no jogo tem vindo a diminuir, o que pode ser monitorizado pela quantidade de pesquisas no google, e número de instalação novas nas lojas.

Na tentativa de corrigir isso o jogo tem feito algumas alterações relativamente sutis, mas muito importantes e reveladores da mudança de paradigma.

Foi removido um evento que promovia muito a regularidade do jogador casual, chamado baú do clã. No baú do clã cada jogador era incentivado a jogar durante o fim de semana o máximo que conseguisse, contribuindo para um baú comunitário que proporcionava uma recompensa individual baseada na performance do clã.

Este evento foi substituído por um evento que promove a competitividade chamado Guerra do Clã. Talvez mais interessante é que na Guerra do Clã cada jogador terá de montar um baralho aleatório, onde o nível das suas cartas é importante, incentivando a que os jogadores evoluam todas as cartas, e não apenas as que usavam mais. Também foram adicionados dois novos modos de jogo que são baseados nos níveis de cartas de torneio, e não nos níveis máximos. Ou seja, mesmo jogadores que não tenham as cartas muito subidas têm hipóteses de ganhar esses modos de jogo. Foi ainda duplicado o número de ouro encontrado em todos os baús, o que era até agora o recurso escasso que impedia subir as cartas de nível.

Em Abril foram também anunciadas duas novas ligas profissionais, uma Norte Americana e uma Europeia, que competirão ao mais alto nível por prémios milionários.

Foram introduzidas alterações mensais de balanceamento, que alteram as dinâmicas das cartas, e portanto a meta (ou seja, quais as cartas e baralhos considerados mais fortes e portanto mais jogados).

Por último a Supercell introduziu finalmente mudanças cosméticas na loja, permitindo a compra de novos emotes, que permitem aos jogadores o uso de outras funcionalidade mas não não alteram o jogo em si.

Ou seja, aos poucos o jogo transforma-se, aumentando o foco no desporto de competição, com maior acesso a modos competitivos onde qualquer jogador apenas dependa de si em termos de skill, e não da quantidade de tempo ou dinheiro que tenha investido no jogo.

Será que vai resultar? Desde que foram feitas estas mudanças o interesse no jogo tem subido ligeiramente e algumas equipas profissionais de desporto electrónico (eSports) têm expandido os seus investimentos no jogo.

Confesso que quando foi anunciada a remoção do único evento casual do jogo pensei que fosse um engano do game designer e que traria a morte do jogo. Na realidade, no pequeno clã que lidero tivemos diversos abandonos, além de uma quantidade de jogadores que tiveram dificuldades de adaptação, eu incluído, à medida que fomos obrigados a aprofundar o nosso conhecimento do jogo, ou desinstalar a aplicação.

Feitas as contas, não tenho dúvidas que a aposta da equipa de desenvolvimento em focar os seus recursos apenas no modo competitivo permitirá salvar o jogo a longo prazo.

Se é bastante ridículo ver ao vivo um palco de Clash Royale competitivo, que consiste apenas em dois jovens imberbes sentados em poltronas de olhos fixos no telemóvel, a verdade é que para quem jogue Clash Royale as nuances da escolha de baralho, posicionamento e guerra psicológica, de forma a trabalhar as escolhas de jogo adversárias e interações entre a inteligência artificial das tropas durante o jogo, tornam este um excelente espetáculos.

É por isso que o Clash Royale é um jogo que se pode gabar orgulhosamente de ser o único “eSport de bolso” do mundo!