Vigilantes é possivelmente um dos mais interessantes takes no mundo dos tactical RPGs. E não porque este tactical-RPG em Early Access desenvolvido pelo estúdio Timeslip Softworks venha revolucionar o género, mas a sua voz única é sobretudo por abordar um setting menos “gasto” pelos jogos por turnos.
O jogo decorre na cidade de Reiker, uma localidade ocupada pelo crime e pela violência, onde a máfia, os cultos apocalípticos e pirómanos ocupam as ruas e as banham de sangue e caos. Com um tremendo sentimento de impunidade pelo que a sua cidade se tornou, é aqui que o nosso protagonista decide fazer justiça pelas próprias mãos, vestindo uma máscara de ski e indo para a rua esmurrar criminosos.
Se estamos habituados a tactical RPGs no espaço, com mechas, armas laser, canhões de iões, ou manifestações mais fantasisas com valquírias, arqueiros, demónios, é curioso ver que uma abordagem quase neo-noir, mais terra-a-terra sem elementos sobrenaturais ou místicos acaba por ser mais relacionável por nós. Não existe praticamente nada em Vigilantes (sem contarmos com o tom e a dinâmica típica de série de televisão norte-americana dos anos 1980) que não exista no mundo real. Atacamos com murros, bastões, ou disparamos revólveres e caçadeiras. Sem dimensões paralelas ou mundos cibernéticos, apenas as ruas degradadas, sujas e negras da cidade ficcional de Reiker.
Com um sistema de combate de equipa semelhante a outros jogos do género, com pontos de acção a obrigarem-nos a decidir quantos passos dar e que armas utilizar, onde Vigilantes é verdadeiramente interessante é na forma como sentimos que a cidade está “viva”, com as hierarquias criminosas a alterarem-se mediante as nossas acções, lembrando um pouco do sistema Nemesis de Shadow of Mordor.
Pesquisar informações num mapa quadriculado da cidade, gerir e aumentar as nossas fileiras com outros tantos vigilantes num ambiente que poderia ser Detroit ou qualquer outra cidade violenta dos EUA é uma camada interessante que este jogo tem. Estas incursões e batimento de áreas tem porém um senão, já que temos ao mesmo tempo a noção que sempre que gastamos muito tempo de jogo a ordenar os nossos party members a fazer buscas por zonas ou a dormir para curar feridas, que os nossos inimigos sobrem de nível e ficam mais fortes.
Para os habituées dos tactical RPGs é fácil de perceber que Vigilantes incorpora em si diversos elementos dos jogos clássicos do género, sendo que um dos mais óbvios é a forma como Jagged Alliance costuma trabalhar estrategicamente os seus mapas por sectores, neste caso materializados com quadrículas da cidade com as diversas tensões e ocupações criminosas que lá acontecem. Este elemento orgânico já tão desenvolvido nesta fase alpha deixa antever tremendas potencialidades a Vigilantes. A forma como o submundo da cidade “cresce” não é apenas o somatório de números escondidos, mas consequência dos enfraquecimentos que vamos causando às 3 facções criminosas.
Admito que de todos os aspectos que fizeram os meus olhos brilharem com este brilhante e ambicioso tactical RPG indie aquele que menos me entusiasmou foi mesmo o argumento. Não que ele seja mau, e até consegui achar interessantes algumas pinceladas da história pessoal dos 7 aliados que convencemos para a nossa causa de andar a espancar e executar criminosos pelas ruas de Reiker, abrilhantados com um voice over bastante bom. Mas com elementos mecânicos tão interessantes e inteligentemente misturados a partir da influência dos melhores jogos do género, o meu interesse na componente estratégica e táctica suplantou de longe o interesse em conhecer um pouco mais do que se passa em termos narrativos. Que, convenhamos, é apenas um flavour adicional a um jogo com óbvias limitações orçamentais mas que compensa tudo isso com um sólido e desafiante tactical RPG passado num mundo semelhante ao nosso.
Vigilantes é obrigatório para todos os fãs de XCOM e Jagged Alliance, e apesar de estar em Early Access tem tido um trabalho regular dos seus developers que decerto o querem levar a bom porto. Se têm sonhos com alta especificidade e algum dia imaginaram como é que seria a interpretação do universo da Marvel do Netflix, de heróis e vilões street level com XCOM, Vigilantes é o jogo que procuram.