Se tivesse de escolher se sou mais “fã” de café ou de videojogos, provavelmente teria de dizer que sou dependente do primeiro, cuja resposta química o meu organismo necessita de ter contacto para que o dia decorra de forma normal, e no caso do segundo que é algo que sempre fez parte da minha vida e é uma das minhas grandes paixões, e nos últimos anos talvez a maior. Dos tempos em que as cápsulas de café eram apenas um sonho, habituei-me a ter em casa pacotes de moagem fina para conseguir tirar umas bicas cremosas e encorpadas. Se a Nestlé (de quem sempre fui admirador do café) soube sempre pegar nos grãos de café e moê-los de forma a que este meu desejo por uma bica forte fosse respondido, também o estúdio Abyssal Arts percebeu que tinha onde se diferenciar, pegando nas múltiplas inspirações de active turn based RPGs mas colocando algo extra à moagem do seu jogo. O sabor, admito, é único.

Ainda falta cerca de 1 mês para que City of the Shroud, do estúdio Abyssal Arts veja a luz do dia. Depois de uma campanha de sucesso de Kickstarter, aquele que é outro dos indie RPGs inovadores que nos “agarrou” esta semana veio mostrar mais uma vez que ainda há tanto para “inventar” no género. Esta semana, pelo menos para mim, vai ser apelidada da “Semana do RPG“, e vou tentar marcá-la para lembrança futura do período em que tive a sorte de experimentar uma série de jogos independentes que souberam fazer algo de diferente, apesar de terem as suas influências bem definidas.

Já há uns quinze dias andamos de volta de City of the Shroud, e apesar de ainda não podermos escrever-lhe uma análise, podemos sim falar das razões que nos têm levado a ficar surpreendidos com a sua postura corajosa de misturar elementos de géneros que pareciam não ter grande ligação ou grande exequibilidade em unir-se.

O combate é em grelha como mandam os RPGs tácticos, mas os seus turnos são diluídos em períodos activos, em que um cooldown por personagem nos indica em tempo real quando estamos prontos para atacar. Podemos sempre pausar o jogo para pensar nos próximos passos, mas City of the Shroud cedo percebeu que a incorporação de combos típicas dos fighting games só faria sentido se tudo estivesse a decorrer sem paragens.

Quando chega a nossa vez de atacar surge uma circunferência com 4 ataques, os quais temos de ir combinando dentro do tempo limite para encontrar a sequência de golpes mais eficaz para dar o máximo de dano possível aos nossos adversários. Uma ideia que parece estranha dentro do nosso mindset habitual de outros jogos do género de escolhermos uma acção e deixarmos que as animações de ataque cumpram o seu objectivo. Aqui a eficácia do ataque depende dos combos que conseguimos fazer e isso torna em algo novo a experiência de tactical RPG de City of the Shroud.

Apesar do jogo ter multiplayer e PVP, é no single player que reside o seu grande apelo. Com ramificações narrativos no seu enredo, foi já anunciado que a versão definitiva que verá a luz do dia será o resultado de uma espécie de experiência social. O formato narrativo de City of the Shroud será episódico, com o resultado das escolhas da maioria dos jogadores a condicionar a escrita dos capítulos subsequentes, resultando numa Definitive Edition que é, para todos os efeitos, o somatório das decisões da comunidade. Uma excelente ideia de envolver os jogadores naquilo que é a definição do que é o caminho do jogo.

Com uma direcção artística muito identitária que se destaca não apenas pela decisão da utilização de cel-shading mas pela paleta de cores quentes, saturadas, quase primárias, mas que funcionam com as excelentes ilustrações dos personagens que conversam connosco e que servem de elementos narrativos e dramáticos entre segmentos de combate.

Este ano de 2018 está a ser impressionante em termos de RPGs, e como fã do subgénero táctico só posso ficar feliz em perceber que o que vai saindo representa também uma inovação a um género que nos dias de hoje parece quase restringido mediaticamente à existência de XCOM. E depois lá vem o mercado indie mostrar que afinal não é bem assim…