Os videojogos são cada vez mais um produto em desenvolvimento, mesmo após o seu lançamento para o mercado. Atualizações, DLC, e a inclinação para o jogo como serviço transformam gradualmente ao longo do tempo a experiência resultante de um mesmo título. Uma transformação que se pode afirmar de forma quase absoluta como sendo invariavelmente para melhor, com erros corrigidos e novo conteúdo. Mas apesar da aparência positiva, esta prática pode trazer consequências a longo prazo.

Jogos como Assassin’s Creed: Unity ou Mass Effect: Andromeda, que foram arrasados no seu lançamento por bugs e problemas de animação, abordaram essas questões ao longo de vários remendos digitais. Final Fantasy XV, para além de inúmeras adições à jogabilidade original, até mudou a história, introduzindo cutscenes no capítulo 12 e inserindo uma secção jogável alternativa no capítulo 13. Middle-earth: Shadow of War acabou de lançar uma grande atualização gratuita que remove as microtransações, adiciona conteúdo e melhoramentos. Segundo a própria Monolith, esta será a melhor versão de sempre do jogo. Até o infame No Man’s Sky, que ao longo do tempo já teve direito a uma miríade de novidades implementadas, está prestes a lançar uma semelhante atualização substancial, onde entre outras coisas, terá o mítico modo multijogador finalmente implementado.

Assumindo que, com No Man’s Sky Next, Sean Murray e a sua equipa atingiram finalmente a visão que tinham idealizado para o seu projeto, dois anos depois do lançamento, posso comprá-lo descontado (ou usado) ao preço da chuva e tirar muito melhor proveito do que quem pagou 70€ no primeiro dia. O mesmo se aplica, em maior ou menor grau, aos outros exemplos dados e a quase todos os títulos modernos.

Se juntarmos a esta questão as edições de “jogo do ano” (ou designações menos duvidosas como a Royal Edition de Final Fantasy XV), que incluem todos os DLCs criados, em comparação com quem para além do preço completo de lançamento, paga um valor adicional por cada expansão ou por um “passe sazonal”, a discrepância entre o preço (que desce) e a qualidade do produto ao longo do tempo (que aumenta) torna-se ainda mais gritante.

Não estou a aconselhar ninguém a mudar hábitos de compra. Claro que há motivos para comprar os jogos no lançamento. A conversa em torno de um título ocorre e desaparece depressa, e fazer parte dela é também parte da experiência. Em jogos multijogador ainda mais. Suportar o mercado é também importante. Afinal, sem a fidelidade dos primeiros, não existiria o conteúdo extra para quem vêm depois. Veja-se novamente Mass Effect: Andromeda, o primeiro da série sem conteúdo extra após a fraca performance de vendas.

Ali vão os planos para o DLC, que foi claramente deixado em aberto no final do jogo.

O problema é que a prática de vender um “pacote inicial”, uma base incompleta e muitas vezes ainda lançada com problemas, para mais tarde anunciar atualizações que o transformam na melhor versão do jogo, criam um ressentimento negativo em quem pagou para ser cobaia da versão inferior, e que agora nem tem o jogo completo oferecido na versão “Royal”. Jogadores escaldados fazem as contas. A falta destes jogadores faz-se sentir, e como já disse, ainda mais em jogos singleplayer, cuja história pode ser experienciada a qualquer altura sem depreciação, ou até melhorada, a 70 € ou a 5 €. A espiral descendente que daqui resulta prejudica todos os envolvidos.

Com a crescente popularidade dos “jogos como serviço”, mesmo entre os singleplayer, e da importância dada a DLCs nos maiores palcos como a E3, é importante que as editoras não continuem a encarar o jogador como alguém que “come tudo e tantas vezes quantas lhas vendermos”, e tenham atenção para não se canibalizarem a elas próprias.

Claro que isto é apenas o conselho de um “opinador” de bancada. Quando encarados com os elevados custos de produção que supostamente as vendas iniciais já não chegam para cobrir, a solução que tem vindo a ser aplicada é fragmentar os jogos, mais conteúdo extra e mais microtransações. Eles lá sabem.