Battlestar Galactica é daqueles fenómenos que… bem… são mesmo um fenómeno, porque alcançou o que poucas franquias conseguiram: ter sucesso na sua versão original e no seu remake, mesmo com toda a controvérsia de Starbuck ser uma mulher na versão nova.
Posso até dizer que devido à capacidade de expansão proporcionada pela internet a série mais recente pode ter tido mais sucesso que a original, mas seria apenas a minha opinião sem estar tecnicamente correcto.
O universo de Battlestar Galactica é muito extenso, expande-se por anos (nossos e na série) com conteúdo suficientemente espalhado por vários meios, desde Caprica na TV até webseries como Blood & Chrome, BDs à série de 1978, livros ao jogo Battlestar Galactica Deadlock que falamos hoje, sem esquecer os board games. Eu nunca fui muito fã da série, via a antiga porque quando era miúdo não tinha grande opção e às vezes era o que ganhava no “Agora Escolha” mas não passei muito tempo com a nova nem com os seus spin-offs, mesmo assim sei o suficiente do seu lore para apreciar o trabalho e cuidado aplicado pela Black Lab Games nesta produção.
O jogo passa-se durante a primeira guerra Cylon, cronologicamente entre as séries Caprica e Battlestar Galactica, esta guerra foi mencionada mas pouco explorada na TV o que permitiu aos developers mais espaço de manobra para trabalhar e criar o seu próprio mundo, respeitando ao mesmo tempo o universo em que se encontram. Apesar de existirem naves e personagens que nunca foram vistas antes, das Battlestar aos Vipers e até alguns nomes, tudo é familiar e reproduzido fielmente.
A acção está dividida em duas partes: Gestão e Combate. E o jogo tenta dar uma dinâmica de pressão constante a ambas num ambiente por turnos e fá-lo muito bem, em especial nas secções de combate.Mas antes disso vem toda a preparação na base de comandos que me faz lembrar um pouco a estrutura de XCOM 2, só que em vez de viajar pelo mundo a tentar lutar contra os inimigos numa estratégia de guerrilha, vamos saltando entre as doze colónias resolvendo situações importantes dentro do enredo. Muitas vezes temos que escolher as situações mais críticas correndo o risco de deixar outras nas mãos dos Cylon. Não é fácil gerir o tempo e macro estratégia assim como os recursos escassos para conseguir ser bem-sucedido, mas essa é a essência da guerra, seja ela contra humanos ou seres platinados.
Grande parte dos recursos são aplicados em novas embarcações ou upgrades das que já enfrentaram batalhas algumas vezes, e a escolha é muita pois como em qualquer jogo deste estilo é preciso fazer pesquisa para ter acesso a mais possibilidades. O design das naves é um dos pontos mais fortes do jogo. Não só temos várias opções com várias finalidades, como podemos ter vários modelos base iguais mas com load outs diferentes para funções específicas. Algumas naves são mais resistentes, outras mais rápidas, apenas algumas têm hangares para Vipers, outras têm uma capacidade maior para canhões, o nível de customização é altamente pormenorizado, mas crucial para onde o jogo tem os seus maiores trunfos, no combate.
Por mais interessante, complexo que seja o nível de gestão e o próprio enredo da campanha individual de Battlestar Galactica Deadlock, e ambos estejam entrelaçados com o que se passa no campo de batalha é aí que o jogo brilha.
Cada missão de combate é um exercício de arte e movimentação bélica.
A quantidade de comandos e ajustes que podemos fazer em cada turno é quase dantesca, mas é também recompensador quando saímos como vencedores do combate. Muito além da movimentação e ataque básicos, o jogador pode orientar as suas naves posicionalmente mostrando a sua frente, lado ou até a traseira para os seus inimigos. Este posicionamento é crucial para a estratégia, não só porque algumas naves têm a sua capacidade de tiro maior à frente e outras nas suas laterais (o chamado broadside), mas também porque é necessário quebrar o casco de uma para a derrotar, logo quando um dos lados está mais fragilizado por ataque constante é necessário, dar a outra face para sobreviver. Além dos lados, as naves também podem ser orientadas em altitude (limitada com um chão e céu virtuais) que adiciona camadas literais e figurativas à complexidade estratégica de cada batalha.
Quando acrescentamos a isto a possibilidade de focar as nossas naves em atitudes defensivas ou ofensivas, possibilidades de hacking que impedem certas acções nos inimigos, reparações, Vipers ou a possibilidade de embate físico para abordagens, podemos começar a calcular o nível de profundidade que podemos entrar no jogo.
Em cada turno, após programar os comandos somos presenteados com o seu desenrolar em tempo real que podemos pausar, mas sem a possibilidade de alterar comandos a meio. No final do que são sempre batalhas extremamente stressantes e equilibradas, muitas vezes resolvidas no limite, é-nos dada a oportunidade de rever tudo. Este visionamento não é mais que uma possibilidade de estudo de campo que faz com o jogador avalie os seus erros, os seus sucessos e os pontos fracos e fortes e também os dos seus adversários.
Tudo isso para se tornar um comandante melhor e salvaguardar a sobrevivência da nossa tripulação.
Já desde o remake de Masters of Orion que não metia as mãos num turn-based espacial que me desse tanto gosto, há muito de bom em Deadlock e pouco de mau. Talvez o nível de pormenor seja intenso demais para uns jogadores que prefiram algo mais simples, mas tirando isso é um grande jogo.
Pode ficar a questão se será um jogo para fãs da série apenas e não para o público geral do género de gestão e estratégia militar no espaço. Como disse antes, Battlestar Galactica é coisa que não frequento, mas mesmo assim este jogo está mesmo ao meu estilo, portanto recomendo vivamente.