Antes de avançar, parece-me mais que oportuno dizer que a minha experiência com “Vampire: The Masquerade” se resume a um par de sessões de “Vampire: The Masquerade – 20th Anniversary”, nas quais participei como jogador, e ao jogo de vídeo “Vampire: The Masquerade – Bloodlines”. Assim sendo, esta revisão de “Vampire 5th Eition” irá ser acima de tudo objectiva, apontando e realçando a estrutura, a narrativa e as várias mecânicas que podem ser encontradas nesta iteração. Por outras palavras, será uma análise a sangue frio (pun intended).
Há muito que vampiros, lobisomens e outras criaturas fantásticas têm feito parte da nossa história, chegando inclusive ao estatuto de mitos e de lendas, fazendo as delícias de todos aqueles que procuram não só saber mais mas também dar vida às suas mais profundas fantasias. Em Vampire: The Masquerade, como o próprio nome indica, assumimos o papel de um vampiro. Não um qualquer, mas sim um que terá que aprender a lidar com o seu novo estilo de não-vida.
Esta premissa é-nos deixada perfeitamente clara no início do livro através de testemunhos, mais ou menos directos e pessoais, que relatam a verdadeira natureza desta forma de ser. A vida mortal já não é propriamente a mesma, e a sua humanidade vai sendo progressivamente trocada pela Besta que agora nos consome e pela sede por sangue que temos que saciar.
O mundo está todo ele repleto destas criaturas da noite, todas elas afectadas por esta maldição (ou bênção) de maneiras diferentes, assumindo as características e habilidades dos vários clãs.
Existem organizações secretas, como o Sabbat e a Camarilla, com os seus próprios objectivos e interesses, dos quais resultam ocasionais confrontos. Nas sombras, bem longe da luz solar, tecem as suas teias, mudando as suas vidas e a do mundo que as rodeia.
Os clãs são prontamente apresentados, juntamente com as características, personalidades e habilidades que os definem. Aqui, cada clã faz-se acompanhar de várias entradas com sugestões de como jogar/interpretar um papel em particular (arquétipo). Esta ajuda, por sua vez, não se prende exclusivamente a esta secção, havendo toda uma série de entradas com exemplos de jogo para melhor ilustrar os vários elementos não só narrativos mas também mecânicos.
A nível de uso de dados, continuamos com um sistema de d10 e os números usados num determinado lance depende do valor presente no conjunto de Attributes e Skills em questão. A título de exemplo, se um jogador estiver a tentar decifrar o conteúdo de um diploma ancestral, poderá rolar Intelligence + Occult. Tendo um ponto no primeiro valor e dois no segundo, irá então rola 3d10, contribuindo para o sucesso todos os dados rolarem 6 ou mais.
O próprio processo de criação de personagem é bastante simples e descritivo, sendo possível recorrer a uma série de passos sequenciais detalhados ou a simples resumos onde todo o conteúdo se encontra exposto. A atenção ao detalhe é tanta que no fim, e independentemente do método usado, iremos sempre ter uma personagem completa e concisa, com uma noção clara do que era quando humano(a), das suas crenças perante a sua nova mortalidade e o seu modus operandi quanto predador(a).
Para além disto, existe um encorajamento para que as personagens da Coterie (grupo de jogadores) sejam criadas em conjunto, não só para definirem que personagens é que vão ser jogadas individualmente mas também de que forma a que essa individualidade (personalidade, moralidade), vai definir o grupo como um todo.
Ainda assim, nunca é demais lembrar de que é de vampiros de que estamos a falar, e no fim da noite, não há nada mais importante para um vampiro do que sangue. O sangue é a única forma de um vampiro ter a sua fome saciada, e nesta versão, não é apenas um floreado que deve ser tido em consideração.
Desde o simples acordar para a noite à utilização do sangue para activar uma disciplina vampírica, tudo vai contribuir para que o nível de fome possa aumentar (de 0 a 5 pontos).
Este aumento materializa-se nos dados lançados, sendo os mesmos trocados pelo nível de fome que se sente no momento. Por exemplo, se um jogador estiver a meio de uma investigação na qual conta com seis dados para rolar, mas se tiver 2 pontos de fome, dois desses seis dados irão representar essa mesma fome (fica a sugestão para que estes dados tenham uma cor diferente… como por exemplo, vermelho).
Para além de representarem a fome, estes dados representam também a Besta, a entidade que vive sempre por debaixo da pele de todos os vampiros.
Em casos de sucesso em que se role pelo menos um 0 (10) num dado de fome, obtém-se um Messy Critical. Conseguiste o que querias, mas perdestes controlo. A testemunha que estavas a ameaçar contou-te o que tinha para contar… até que lhe arrancaste as cordas vocais.
Em casos de falhanço em que se rolou um 1 num dado de fome, consegue-se um Bestial Failure. A Besta manifestou-se de forma inapropriada ou excessiva, ou simplesmente não viu com bons olhos o falhanço do seu fantoche e decidiu intervir.
A fome, e através dela a Besta, está sempre presente, e nesse sentido é importante ter reunidas as condições necessárias para garantir que o nosso próprio controlo seja mantido.
Ainda dentro da temática do sangue, existe um elemento interessante que é incluído na forma de Dyscrasia, a natureza alquímica e dos humores presente nos vários tipos de sangue. De forma simples e prática, existem quatro tipos de sangue (Choleric, Melancholy, Phlegmatic e Sanguine) que se manifestam durante o momento de alimentação, resultando numa série de bónus de curta duração e que variam consoante o tipo de sangue consumido.
Mas não é só com a sede de sangue e a necessidade de satisfazer a Besta que um vampiro tem que se preocupar. Apesar de tudo, a sua vida ainda está presa a alguma forma de humanidade, por mais ténue que possa ser essa ligação.
A Humanity é posta em causa sempre que se faz algo atroz e/ou quando uma convicção é quebrada. Quando isto acontece, o vampiro fica mais perto da sua natureza animalesca e de servir a Besta. Contudo, nesta edição a Humanity não é assim tão unilateral. Aqui entram as Stains (Manchas) que visam impedir que a humanidade seja perdida. Matar uma pessoa inocente pode reduzir humanidade, mas se a morte for justificada, se lhe forem apontadas atenuantes (como por exemplo misericórdia), a humanidade será mantida, embora manchada.
Em Vampire: The Masquerade – 5th Edition constam também uma série de regras avançadas, dirigidas a grupos mais experientes e/ou que procuram um outro tipo de jogo. Todas estas se fazem acompanhar de exemplos descritivos, tal como acima referido, permitindo uma compreensão clara do funcionamento das mesmas.
O próprio Storyteller (o Mestre de Jogo) tem também a sua vida facilitada, com capítulos que ajudam a criar o mundo, desde o mais pequeno dos domínios a toda a cidade infestada com criaturas da noite.
Como não haveria de deixar de ser, estão também presentes personagens pré-feitas, permitindo que tanto os jogadores como o Storyteller, dos mais iniciados aos veteranos, possam mergulhar neste mundo das trevas o mais depressa possível.
Vampire: The Masquerade é um sistema maduro onde o horror é uma realidade constante. As criaturas da noite têm os seus interesses e as suas intrigas. As suas alianças e as suas rivalidades. A necessidade de mover peões e de se alimentar. Eles são os predadores, e nós comuns mortais somos as presas.
Esta quinta edição traz algumas coisas novas, simplificando alguns elementos e dando mais dinamismo à fome e à necessidade de a saciar, fazendo-o de uma forma que fica mais que palpável na mesa, marcando significativamente a experiência de jogo no processo.
Vampire: The Masquerade – 5th Edition recomenda-se, ficando apenas por responder a uma única questão: preferes caçar ou ser caçado?