Tive um professor na Faculdade que dizia que nós [a turma] estávamos a ser formados [enquanto Designers de Comunicação] não para virmos a trabalhar em empresas e agências, mas para mudar o mundo. O que até é uma ideia gira, utópica, e que teria pernas para andar não fosse aquele simples facto de que precisava de dinheiro para comprar comida e para sobreviver e que tive de trabalhar desde muito cedo.

O mundo é lixado. O facto de trabalhar nunca me impediu do associativismo estudantil, das lutas políticas e da tentativa de, dentro da minha escala, tentar mudar pelo menos pequeninas partes do mundo com as minhas acções. Acredito que a mudança para um mundo melhor não depende apenas de questões profissionais, ou de criações culturais, ou de resultados de atitudes mais agressivas, mas sim do legado que queremos deixar não só a quem partilha a Terra connosco, mas para todos os que nos seguirão em vida.

O mundo dos jogos também é muitas vezes lixado. Incontáveis vezes nestes quase 30 anos de jogador deparei-me com jogos em que apetecia mesmo alterar ali parte de um nível para conseguirmos atalhar pelo que sabemos ser o fim do mesmo. Aqueles momentos em que nos dá vontade de pegar numa borracha de Photoshop e apagar uma parede ou uma plataforma aborrecida, colocada ali de propósito para nos tramar o dia.

Numa época em que muitos puzzle platformers andam a seguir o ambiente tenebroso de Limbo e Inside, pegar num jogo do género cheio de cores vibrantes acaba por ser uma lavagem visual. Semblance é um jogo de plataformas e puzzle que nos fala de maleabilidade, em que o nosso protagonista, uma pequena bola de visco, consegue alterar o mundo à sua volta. Um mundo ocupado por criaturas orgânicas mas cristalizadas que representam os perigos no seu habitat, num cenário onde a paleta reduzida de rosa, roxo e verde criam uma harmonia triádica interessante, ainda que muito trendy em alguns estilos de design visual.

Em Semblance as plataformas com cor sólida são moles, e com umas cabeçadas ou uns pisões se ajustam à nossa vontade. Se existe algo num local bem alto para lá chegarmos só precisamos de umas cabeçadas na plataforma para que ela ganhe uma elevação e uma curvatura, como uma montanha criada à força. Se há algo sob os nossos pés onde não conseguimos chegar, basta-nos uns pisões para fazer abater o solo. Muitas das secções só vão conseguir ser ultrapassadas depois de alterarmos o nível em configurações que nos permitam avançar.

Semblance (lançado para PC e Switch) é desafiante e tem diversos arcos de dificuldade, muitos deles não sequenciais. Mas é aberto o suficiente para que possamos voltar a esses puzzles mais difíceis noutra altura, permitindo-nos progredir por outros caminhos. Consegue ser inovador na abordagem que nos traz das possibilidades de alteração do ambiente que nos rodeia, num objecto mecânica e visualmente simples mas que o torna verdadeiramente diferente num mercado que vê chegar uma mão-cheia de puzzle platformers monocromáticos e quase todos idênticos em cada mês.