Eu queixo-me com bastante frequência, aliás, dado o número de vezes que acabo por o fazer, por vezes penso que por alguma razão tenho prazer em queixar-me, (se é que isso faz algum sentido).

Portanto nada melhor que dar a volta e queixar-me das pessoas que se estão sempre a queixar.

Um bocado de enquadramento: esta semana (agora já não, porque eu sou preguiçoso e demorei mais que uma semana a escrever este artigo) a semana passada foram anunciados os trailers/vídeos dos materiais promocionais das visitas de imprensa à apresentação jogo Dakar 18, do qual fui visitante como jornalista em representação aqui do vosso cantinho.

Como a minha carinha laroca aparecia no vídeo principal, fui obviamente ler os comentários das partilhas e dos vídeos, onde eu esperava que os visualizadores estivessem a anunciar que iriam fazer a pre-order do Dakar18, puramente baseados no meu sorriso galã do vídeo.

Apesar de não ter tido tanto sucesso como estava à espera, não pude deixar de verificar a generalidade de críticas positivas ao jogo, apresentação e vídeo, em quase todos os outlets que pude ver. Comentários a louvar o risco tomado a apostar num novo tipo de jogo, notícias a dizer o quão fora da caixa algumas coisas são e apontamentos sobre o trabalho que foi posto na fidelidade da coisa (não percebo nada de desportos motorizados, portanto não posso confirmar se estavam certos ou não, se a moto 4×4 tivesse 16 rodas eu não iria achar descabido).

Quando digo quase todos, houve um que me saltou à vista, um pequenino artigo, de um geograficamente pequenino país, e duas pequeninas respostas de duas pequeninas pessoas:

Zé 1: “Os gráficos estão muito maus para um jogo de 50€”

Zé 2, em resposta ao supracitado Zé 1: “Já ninguém compra jogos a 50€”

Vamos já excluir o ponto óbvio, que é uma pessoa que não compra jogos a 50€ sentir a necessidade de manifestar a sua opinião em algo do qual ele se auto-exclui como público alvo, bem como também esquecer o comentário em que, para além de ignorar o aviso sobre ser uma versão inacabada do jogo, apenas decide basear a sua opinião somente no aspecto gráfico de algo que é um aglomerado de várias coisas. Aliás, até me facilitaria o trabalho se assim não o fosse, as minhas análises aqui no jornal seriam bastante mais fáceis, eficazes e menos sujeitas a polémica.

Vamos antes parar e pensar um pouco.

Já ninguém compra jogos a 50€” – Isto é a mesma coisa que dizer que já ninguém compra sapatilhas a 50€, é tentar mostrar que temos uma opinião, sem termos opinião nenhuma. Nem é preciso estar informado, ou perder uns bons 10 segundos a ir ao google ou ao Steam para confirmar que não faltam sucessos de vendas em dia de lançamento a 5, 10, 15, 25, 50, 60 euros, (Monster Hunter? Far Cry?) nem sequer é uma opinião, e quase que nem precisava de dizer que é um facto, porque é uma coisa óbvia. Qual é o cerne da questão aqui que me leva ao que queria realmente abordar neste artigo? (sim, isto foi a introdução).

O povo gosta ainda mais que eu de se queixar, e eu, como eloquente na arte de me queixar, fico indignado quando esta é desrespeitada com tanta leviandade. Queixem-se, sim senhor, mas queixem-se com razão e por favor com argumentos e classe.

AH E TAL OS JOGOS AGORA CUSTAM TODOS 50€ OU 60€

– Amigo, os jogos custam 50 ou 60 euros desde que me lembro, aliás, ainda me lembro de a pricetag default para um jogo triple AAA serem 10 contos, ou como diria a minha avó, “Dez merréis” (Seja lá o que isso for, se é que é assim que se escreve de todo, mas o editor lembra-se desses tempos bem melhor que eu e se estiver mal corrige), e os custos de produção, para além de não terem baixado, aumentaram significativamente, isto não esquecendo que o teu poder de compra aumentou, portanto ainda vamos com sorte que o preço seja o mesmo desde 2000.

AH E TAL AGORA NEM O JOGO COMPLETO CONSEGUES COMPRAR, TENS QUE PAGAR MAIS

– Efectivamente concordo em parte e foi algo do qual me queixei, porque tal como disse, no queixar é que está o ganho. Os DLCs e Season Passes foram algo terrivelmente bom e terrivelmente terrível que aí apareceu.

Consigo pactuar com algo do género Talos Principle, que revitaliza passado algum tempo um jogo que já deu o que tinha a dar, deixando um público satisfeito saciar a sua sede por mais conteúdo.

Não consigo ser aliado de jogos que lançam conteúdo DLC em conjunto com o jogo, no seu dia de lançamento, é como ir ao restaurante comer uma francesinha e ter que pagar o molho. É tentar extorquir o cliente, só que sem disfarçar.

E o que compactuo menos ainda, são jogos Early Access que lançam DLCs PAGOS, sem antes sair de Early Access, (como é o caso de ARK SURVIVAL), os jogadores de Early Access estão a pagar por um jogo inacabado, para ajudar a empresa a suportar os gastos de desenvolvimento, e onde está a ser usado o dinheiro? Em horas de trabalho para outro conteúdo novo, para poder sacar mais dinheiro, em vez de cumprir com o compromisso feito para com os seus clientes Early Access. É como dares dinheiro ao Sr. Padre para um orfanato, e ele usar isso para fazer uma procissão para angariar fundos para um hospital.

Mas o importante aqui, é que não podemos queixar-nos das coisas em geral, não me ouvem dizer que os DLCs são uma praga que está a consumir o mundo dos jogos por dentro, nem vou dizer que precisamos de adicionar “NÃO PRODUZIRÁS DLC” à tábua de mandamentos. Tentem fazer críticas produtivas, perseguir os maus exemplos e louvar os bons exemplos, pois é assim que a indústria anda para a frente. Há DLCs muito, muito bons (a expansão do Witcher ganhou mais prémios que muitos jogos) e DLCs horrendos (chineses no Age of Mythology e o povo extra do Northgard?, isso antes eram patches grátis).

AH E TAL AGORA COMPRAS O JOGO E AINDA TENS QUE GASTAR DINHEIRO NAS CAIXAS

Ah … as famigeradas Loot Boxes. Toda a revolta que houve quando saiu o Star Wars Battlefront 2, que retroactivamente e por alguma razão atingiu todos os jogos dos quais ninguém se tinha queixado anteriormente.

Porque é que ninguém se tinha queixado antes e agora estão todos contra todas as loot boxes?
Porque tal como eu digo, o pessoal gosta é de se queixar por queixar.

E queixando-me das queixas, faço uma concordância com elas, eu também não sou fã de loot boxes. Mas não culpo o filho pela má educação que o pai lhe deu em casa.

Vamos olhar para o Overwatch, que penso que seja o exemplo mais conhecido do uso de loot boxes (por alguma razão o pessoal ignora sempre os jogos da Valve com as suas Crate Keys e Chests, a fazerem milhões desde saiba-se lá quando, se bem que não é saiba-se lá quando, foram os chapéus do Team Fortress 2 a abrir isto), Overwatch tinha as loot boxes desde o lançamento, que podiam ser compradas por aquele dinheiro que também compra cerveja ou podiam ser ganhas ao passar de nível e fazendo aquelas quests casuais em eventos.

Isto remove logo uma das coisas que me faz confusão nas loot boxes, o impedir o jogador não “pagante” de obter o conteúdo, por mais tempo que dedique ao jogo. Tenho para mim, que todo o conteúdo devia ser alcançável para toda a gente que possui o jogo.

Não gosto de pre-order bonuses que não são alcançáveis mais tarde, frustrando os jogadores que descobriram o jogo após a data de lançamento (especialmente quando são personagens jogáveis e não autocolantes ou pins para ter no perfil).

Não gosto de items só alcançáveis por jogadores que paguem para os ter, cria conteúdo que frustra o teu jogador mais dedicado, pois vai sentir que por mais que se dedique, tem que sacar da carteira na mesma.

Não gosto de piorar a experiência de um jogador só para o tentar transformar num jogador pago (jogos de 50€ que só vêm com um save slot, mas com possibilidade de comprar mais, um save slot... LOCAL, portanto vais pagar para usar o teu próprio espaço em disco).

Portanto, se quiserem fazer loot boxes como as da génese do Overwatch, aconselho e subscrevo, fora isso, sou gajo de me queixar. A outra coisa que me dá vontade de criar um sindicato para os direitos dos jogadores e pegar em cartazes e ir berrar para a frente da câmara local são loot boxes que trazem items que dão vantagens em jogos competitivos.

O início do mundo das micro transações, tirando a justificação óbvia de que foram criadas para fazer mais dinheiro, foi para facilitar ao jogador com mais dinheiro e menos tempo, uma experiência de jogo mais tranquila, para aproveitar melhor o tempo que tem (por exemplo, aqueles packs de aumento de drops de items ou de experiência ganha, para não ter que jogar o dia todo, a semana toda até chegar ao nível máximo, o aumento de espaço na mochila, desde que a limitação inicial não seja ridícula, a impedir tediosas viagens ao banco).

Entretanto como a moda pegou e o dinheiro continuava a cair, foi-se esticando a corda, a mochila já podia carregar armas diferentes, o que permitia um combate mais preparado, as poções já curavam mais em menos tempo, os martelos já martelavam melhor…até que chegamos ao ponto em questão.

Se querias jogar com as personagens mais icónicas de Star Wars, tinhas que comprar uma caixa e esperar que essas te saíssem, e pelas contas iniciais, caso não quisesses pagar, demorava umas míseras 40 horas a desbloquear… CADA UMA!

Era engraçado teres que jogar uma semana de trabalho full-time no FIFA para desbloquear o Ronaldo? Ou uma semana inteira só com pausa para dormir para poder fazer um Goku versus Vegeta no DragonBall FighterZ? E no Fallout? Enquanto não pagares não te deixam acumular nuka-colas, acumulas nuka-pepsis e já é bem bom.

Vamos então queixar-nos, mas queixar-nos bem, que é a lição que quero tentar passar (não com muito sucesso), com este desabafo. Se nos queixarmos de tudo, ouve quem está bem, provavelmente piora o que está bem e ouve quem está mal e não liga porque nos estamos a queixar por queixar.

Peguem nas vossas foices, não muito afiadas, porque há gente que não faz por mal, e apontem-nas a quem merece, sejam vocais nas reviews de Steam, no subreddit certo, ou recusem-se a comprar as coisas e falem com a carteira.

O oposto também se aplica! Se gostam de um jogo, falem bem dele, façam uma review positiva no Steam, que demora 5 minutos e tem muito mais efeito do que vocês pensam. Jogaram dezenas de horas de um jogo grátis sem ter que pagar rigorosamente nada para chegar ao conteúdo final? Comprem alguma coisa na loja, nem que seja um cosmético de 1,99€, suportem as pessoas que fazem bem, e vão ver que se sentem melhor ao fim do dia.

PIRATEARAM UM JOGO SINGLE PLAYER E ERA A MELHOR COISA DE SEMPRE? Façam o favor e comprem o jogo na próxima vez que estiver em desconto.

Porque todos sabemos o que aquele menino lá de cima queria dizer com “Já ninguém compra jogos de 50€“.

E queixem-se.
Mas com classe.