Tenho andado sem cabeça para jogar, há algum tempo já, e falei várias vezes com o nosso editor-chefe sobre isso. Não sei se é do cansaço de ser adulto e pai, que quando tenho um pouco de tempo livre para jogar, a minha energia e vontade é tão pouca que nem consigo movimentar-me os menos de dois metros que separam o meu sofá do meu PC, ou se simplesmente tenho estado a perder a paixão pelos jogos. Passei o mês de Agosto quase todo de férias com a minha pequena e por isso ausentei-me daqui, mas mesmo no mês anterior já pouco escrevia, e talvez jogasse ainda menos, eu bem tentava mas muitas vezes sentava-me em frente ao PC e não me apetecia jogar nada, nem os meus XCOM ou Thea puxavam por mim e acabava por ficar só a ver combates virtuais em Fire Pro Wrestling. Até na Switch, que teve uns meses de Julho e Agosto relativamente fracos em relação a lançamentos, tinha dificuldade em pegar para jogar. A Nintendo fez duas campanhas de saldos durante o verão, e na segunda delas eu estava indeciso entre comprar Mantis Burn Racing e Gotcha Racing 2nd, que são dois dos três melhores jogos de corridas da consola, e acabei por me decidir por Darkest Dungeon.

Vamos lá entender a razão, é que considerar Mantis Burn, e Gotcha Racing no top 3 de jogos de corridas da Switch diz bastante sobre o fraco catálogo que a Nintendo tem nesta categoria, sem retirar a qualidade inegável dos dois jogos, só que não eram o que eu queria nesse departamento. Eu queria algo mais arcade racing que micro machines, usando numa analogia de restaurante, apetecia-me um bitoque e só tinham bifes de frango com cogumelos ou perna de perú no forno que me fez escolher polvo à lagareiro.

Comprar Darkest Dungeon foi a melhor decisão das últimas semanas para mim.

O Daniel já tinha aqui falado sobre Darkest Dungeon, contudo o nosso Dungeon Master apenas focou uma das suas particularidades principais e não o jogo em si. Não querendo assumir que consigo fazer melhor que ele na sua especialidade, posso dar uma opinião acerca de como uma cambada de personagens com perturbações me fez voltar a ganhar algum gosto por jogar sempre que tinha uns minutos livres.

Darkest Dungeon é um RPG roguelike, tal como todos os jogos do género é mesmo muito difícil até lhe apanhar o jeito, e é simplesmente difícil depois de perceber bem como ele funciona.

A temática Lovecraftiana é animada pelo design dos cenários e personagens e envoltos na voz cavernosa do narrador que nos puxa para o seu mundo de criaturas, lendas, escuridão e insanidade. Os Red Hook Studios, podia ter-se deixado cair na tentação de fazer um RPG como tantos outros em que a única diferença particular seria o seu ambiente, mas conseguiu puxar da originalidade e fazer dele algo de destaque desde o seu lançamento original em 2016. O que conseguiram fazer não está longe de magia, conseguiram pegar numa fórmula banal de RPG, e através de alterações e inovações mecânicas conseguiram criar um ambiente que dá ao jogador uma sensação de terror, frustração, inquietação e algumas vezes, satisfação. Infelizmente é impossível explicar o porquê disto sem levantar o véu sobre o que está por trás do cenário. Não vou tão longe como explicar o truque do ilusionista, mas quebrar um pouco a suspensão de descrença do teatro, mostrando como se fazem os efeitos de luzes, sons e outros pormenores essenciais.

O objectivo principal de Darkest Dungeon é recuperar a propriedade senhorial da nossa família à sua glória original, antes de um dos nossos antepassados a ter destruído procurando riquezas e mistérios nas suas profundezas, para isso temos que “utilizar” grupos de aventureiros contratados para explorar estes cenários (procedurally generated) e derrotando os seres que lá se encontram e recuperando o máximo de loot que encontramos. Contudo é mais fácil falar que fazer. Os aventureiros são algo peculiares com classes que podem parecer familiares a jogadores habituais de RPG, mas com as suas particularidades únicas aqui. A escolha de cada quarteto para cada missão e a sua preparação são tão cruciais como todas as acções que tomamos na própria, más selecções podem ser fatais logo à partida. É com muita experiência e acima de tudo com muitos erros e sacrifícios é o preço para aprender a jogar Darkest Dungeon. Este preço é muitas vezes caro num jogo com permadeath. Cada personagem tem uma posição preferida de posicionamento na linha e também uma (ou mais) posição preferida de ataque nos seus opositores, além disso tem acções que só funcionam em certas posições ou não funcionam noutras. Conseguir uma gestão equilibrada destes elementos já seria complicado o suficiente se a isso não se juntasse a incapacidade de algumas classes trabalharem com outras como as Abominations (uma espécie de lobisomem) não ser aceite em parties com Vestals (cléricos) ou Crusaders (paladinos).

Não chegasse este pequeno puzzle de gestão para tornar o jogo único, temos a sua maior feature, a saúde mental e física dos nossos aventureiros.

Cada missão, cada acção nelas, até a quantidade de luz que utilizam enquanto exploram as profundezas dos túneis e salas por baixo da nossa propriedade aumenta o stress dos personagens, este aumento de stress, quando não controlado através de tratamentos na taberna ou na abadia podem eventualmente causar perturbações mentais que terão de ser tratados no sanatório. Os personagens quando nos chegam às mãos já têm algumas perturbações de raiz, e também podem trazer maleitas físicas ou apanhá-las nas aventuras.  Alguém pode tornar-se abusivo, que faz com que esteja constantemente a insultar os outros membros da party aumentando-lhes assim o nível de stress, ou masoquista que não só provoca os inimigos a ataca-lo só a si, como impede os healers de o curarem. Podem tornar-se jogadores ou alcoólicos, que causam que só possam aliviar o stress respectivamente no bar ou sala de jogos limitando assim os resultados. Outras doenças podem diminuir HP, torna-los mais prováveis de sofrer bleed, que fiquem mais lentos, etc. Às vezes, temos a sorte de os nossos personagens mostrarem a sua fibra e em vez de padecerem de um mal, serem fortificados por uma benesse física ou psicológica. Nunca sabemos o que vai acontecer, como ou quando e nestas pequenas mecânicas que são o esqueleto do desafio de Darkest Dungeon, que encontramos o prazer de jogar.

É na busca da combinação perfeita de quatro elementos que se complementem, mas sabendo que cada vez que eles entram numa masmorra pode ser a última para um ou todos eles. O suor frio que cai com os nervos, esse apertar da barriga de cada potencial encontro é o que nos faz voltar a jogar. A pressão da decisão de gastar dinheiro, ganho com muito esforço, para tratar de algum membro das equipas ou simplesmente aprender a usá-lo apesar desses problemas porque ele pode morrer na próxima demanda. Darkest Dungeon, é um jogo que nos enche de emoções nos seus momentos mais tenebrosos que podem ir do simples suspirar de alivio ao completar uma quest, ou frustração de perder um dos nossos elementos favoritos. Por outro lado, quando alguém morre também podemos pensar “Ah… quesafod@! A gaja era maluca.”

Foi no meio da insanidade que eu encontrei o prazer, por isso Darkest Dungeon é uma compra muito recomendada. Mesmo só na sua versão base, sem as expansões e DLC posteriores.