Já há algum tempo que ando a cozinhar um artigo acerca do estado do universo dos videojogos. Sobre o que se faz, o que se publicita e o que se compra. Sobre o que é que vendido como bom, e o que é realmente bom. Sobre a indústria, os grandes consórcios, os jogos AAA e os indies. Mas tudo o que escrevia não me estava a agradar porque não encontrava o meio perfeito para ilustrar a minha visão, até que há cerca de 12 semanas o nosso editor-chefe Ricardo Correia me apresentou a algo não só reavivou um dos meus guilty pleasures mais antigos mas também se tornou a melhor analogia, para o meu ponto de vista sobre jogos. Hoje, vamos falar de jogos não falando sobre jogos. Vamos falar de jogos falando sobre Wrestling.

Sim, Wrestling. Aquelas lutas falsas que dão na TV e mesmo com toda a gente sabendo que é falso tem milhões e milhões de fãs por todo o mundo.

Até há muito pouco tempo, eu nunca tinha percebido o quão semelhante é o mundo dos videojogos com o mundo do Wrestling. Não é igual, mas também não temos que cerrar os olhos e inclinar a cabeça a um certo ângulo e colocar os elementos debaixo de uma luz específica para ver as semelhanças.

No Wrestling existem dois grandes sectores, tal como nos jogos, o AAA que neste caso se chama WWE, e os circuitos independentes que vão de nomes como Ring of Honor e Lucha Underground a Impact Wrestling ou até às pequenas promoções locais itinerantes que não preenchem conteúdo televisivo. Estas promoções são as equivalentes às distribuidoras e estúdios que lançam jogos em várias plataformas com qualidade maior ou menor dependendo da sua capacidade de produção e financeira. Agora, tendo-vos situado na minha perspectiva geral, vamos ao meu ponto de vista particular.

Se perguntarem a alguém, qualquer pessoa, no vosso círculo familiar ou de amigos se conhecem Wrestling, parte vai dizer que sim, dependendo da sua idade a maioria deles vão mencionar nomes que podem ir de Hulk Hogan, Randy “Macho Man” Savage ou André the Giant, até Triple H, Shawn Michaels, The Rock, John Cena ou os mais recentes Bobby Roode, A.J. Styles ou Daniel Bryan. Obviamente estamos a falar de pessoas comuns, não estamos a falar daqueles vossos amigos que conhecem a WWE por dentro e por fora, e sabem tudo sobre tudo da empresa. O mesmo se passará se vocês perguntarem sobre jogos aos vossos conhecidos não jogadores, a sua lista incluirá provavelmente nomes como FIFA, PES, Call of Duty, GTA e mais uma mão cheia dos chamados AAA. Muitos poucos dos vossos amigos irão conhecer Impact Wrestling ou Ring of Honor, ainda menos irão conhecer o genial Lucha Underground. Nomes como Cody Rhodes, Johnny Impact/Mundo, Pentagon Dark, Kenny Omega, Jushin Liger ou Fénix? Da mesma maneira muitos jogadores que não saem do mainstream dos grandes lançamentos anuais ou de grande porte e não conhecem nomes como a Daedalic ou a Nordiq, nem estúdios como a Zoink! ou a Image and Form, muito menos a Red Hook entre outros tantos, mas esses são nomes que preenchem o panorama dos videojogos tanto ou mais que os AAA.

Os paralelismos não se ficam apenas na notoriedade mas também no que nos é dado em várias frentes Por exemplo, é inegável a qualidade estética da produção de um Raw ou Smackdown semanal, para não falar de um Summerslam ou Wrestlemania, da mesma maneira que é impossível não ficar admirado com o visual de certos jogos de primeira linha, dos chamados exclusivos das plataformas de gaming. Os God of War, Last of Us e Spiderman do mercado, mas infelizmente estes são cada vez mais homogéneos. Num mau sentido.

Eu desisti de ver a WWE porque os espectáculos semanais eram sempre iguais, os pay-per-view também, apenas tinham mais produção. Ver o Raw desta semana, de há 5 semanas ou 8 meses era a mesma coisa. Ver o Summerslam ou um Money in the Bank tem pouca diferença. Os campeões, baby face, heels ou a razão porque lutam uns com os outros é sempre igual e sem interesse. Os grandes jogos “exclusivos” também são assim, cada vez mais semelhantes uns aos outros como já tinha dito nos meus comentários à E3 deste ano e o Bernardo escreveu sobre isso recentemente também. Por outro lado se formos seguir algo como Lucha Underground basta ver a temporada actual que começou com um battle royale chamado Aztec Warfare e até agora já tivemos combates do mais variado possível que incluíram caixões, e medalhões místicos, homens contra mulheres e uma capacidade atlética quase sobre-humana por parte dos envolvidos. Sem falar de estar tudo enrolado numa novela mexicana (literalmente) que envolveu até agora uma mulher fantasma absorver a força vital dum homem que não pode morrer, alguns assassinatos, sacrifícios aos deuses, decapitações e uma boneca que “fala” com alguém que aparentemente não é bom da cabeça. Ou será? Noutro ambiente isto e tudo o resto que se passa em cada episódio seria estranho e estúpido mas ali não só é perfeitamente aceitável como é brilhante.

Lucha Underground e as outras promoções conseguem manter uma individualidade que lhes dá o destaque necessário para ter sucesso sem sacrificar qualidade. Seja essa individualidade conseguida pela novela do enredo e/ou pela capacidade atlética dos performers ou por outra razão qualquer. Da mesma maneira os jogos indie conseguem manter o seu estilo sem sacrificar muito do seu ser, todos conhecemos um jogo do universo Steamworld à distância, ou um  feito pela The Behemoth. São jogos que se destacam dos outros, têm algo só seu, uma capacidade de as distinguir dos outros. Muitas vezes tenho dificuldade em identificar um jogo AAA por uma imagem ou video, tal como na WWE às vezes tenho dificuldade em distinguir as linhas de enredo ou até personagens. Que nos leva a outro bom exemplo: os lutadores.

Na WWE os lutadores, são todos gigantes quase imbatíveis aos quais é necessário fazer 3 a 5 Finishers para ganhar um combate (tirando o propósito original do Finisher). É um pouco difícil acreditar que Kane ou Braun Strauman sejam gigantes monstruosos quando todos os outros têm mais ou menos a mesma estatura e resistência. Olho para eles da mesma maneira que olho para Dying Light, State of Decay, Left 4 Dead ou Dead Rising, são todos iguais com os mesmos pontos fortes e fracos. Podia usar outros jogos como exemplos mas nem vale a pena. Em Lucha, por exemplo é fácil acreditar que Matanza é um monstro ou até Jake Strong, porque a estatura geral dos lutadores é menor e cada um tem as suas aptidões e estilos únicos.

As promoções indie sabem utilizar ao máximo os talentos dos seu plantel, sabem dar destaque a quem o deve ter e aproveitar ao máximo o que podem de lá tirar. Vamos tomar como exemplo dois que estiveram na WWE: John Hennigan também conhecido como John Morrison ou Johnny Impact/Mundo dependendo da promoção em que está a trabalhar e Cody Rhodes, começando por este mesmo.

Cody Rhodes é filho de uma das maiores estrelas da WWE dos anos 1970 e 1980, “The American Dream” Dusty Rhodes, mas tanto ele como o seu irmão na sua persona “Goldust” nunca tiveram grande sucesso na maior promoção de Wrestling mundial. Não por falta de talento mas por teimosia da direcção. Rhodes, acabou por sair da WWE e ir parar a Ring of Honor onde é um dos maiores sucessos e conseguiu em parceria com mais dois lutadores criar o seu próprio PPVAll In” que acontecerá a 1 de Setembro de 2018. Este PPV conseguiu a proeza de ter esgotado os bilhetes em menos de meia hora quando apenas 1 combate tinha sido anunciado. Tirando esse combate ninguém sabia sequer os participantes, mas esgotaram os bilhetes. Agora, com 10 combates marcados sabemos que terá alguns dos maiores nomes do circuito independente americano, mexicano e japonês, e até o actor Steven Amell, que protagoniza Oliver Queen/Green Arrow na série Arrow e já deu uns toques na arena. Cody é um grande exemplo daqueles que saem dos grandes estúdios por falta de valorização e acabam por ter mais sucesso no mercado independente que no mainstream.

John Hennigan, também teve bastante mais sucesso nos circuitos independentes do que na WWE onde não era aproveitado. A arrogância da sua persona aliadas a uma agilidade supremas podiam ter feito dele uma estrela superior a John Cena hoje em dia, mas ainda longe de Dwayne “The Rock” Johnson que é imbativel. Sim, há coisas boas no mercado AAA de wrestling tal como no mercado AAA de videojogos. Talvez por teimosia ou outras questões internas a Direcção da empresa apostou em Cena em vez de em John Hennigan, foi apostando igualmente em mais alguns que hoje caíram no esquecimento. Na altura com o nome de John Morrison ele teve sucesso moderado a solo e com “The Miz” fez uma das melhores tagteams alguma vez criadas na WWE, contudo eram colocados em 2ª linha de importância porque as baterias estavam todas apontadas para outras estrelas. Esta teimosia da WWE em enfiar pela garganta dos fãs abaixo quem eles acham que deve ser a sua estrela do momento é perfeitamente ilustrada actualmente em Roman Reigns, um lutador que os maiores talentos incluem ter um ar de Kahl Drogo desinsuflado e ser primo de Dwayne Johnson mas com tanto carisma como The Rock tem numa unha do pé ou John Morrison tem… vá… na sua perna direita.

No mundo dos jogos também se passa o mesmo, os grandes estúdios rejeitam ideias e títulos com grande qualidade, deixando-os de lado ou publicando sem grande alarido enquanto publicitam o que eles acham ou querem que seja o próximo grande sucesso, mas que tem tanto de interesse como um prato de sopa de legumes. Não têm nada de naturalmente especial, tudo o que têm é forçado por marketing. Os estúdios continuam a forçar os CoD, e Battlefields e outros da mesma maneira que a WWE forçou Cena e força agora Reigns ou Rhonda Rousey (podia falar da ex-estrela da UFC na WWE e a situação das mulheres ali, mas isso era conversa para mais umas 3000 palavras), até a EA que tem das propriedades intelectuais mais rentáveis de sempre só consegue criar um jogo como Star Wars Battlefront II, que não tem nada de diferente dos outros jogos que mencionei sem ser o setting Star Wars. Eles fazem isto porque é o que é mais fácil para eles estar a impingir algo incessantemente até as pessoas gostarem por falta de opção, numa espécie de Síndrome de Estocolmo em aberto. E quem fala nesta situação em jogos e wrestling, pode falar no cinema com os banais filmes da Marvel que são apresentados como grandes obras da sétima arte. Ou podemos falar de música ou literatura (romances e BD) em que o poder do marketing é suficiente para dar “qualidade” e destaque ao que não merece.

Felizmente vivemos numa altura em que quem tem talento, não precisa das grandes máquinas comerciais para ter o sucesso e admiração que merecem se aplicar um pouco de esforço e utilize as ferramentas disponíveis. Muitos músicos têm álbuns editados e dão concertos por todo o mundo sem uma editora por trás, vários filmes independentes são extremamente bem aceites pela critica e grandes sucessos financeiros (em proporção de investimento) aos grandes blockbusters. Acima de tudo esta produção independente de qualidade é encontrada nos jogos, onde há tantos, mas tantos estúdios com jogos tão bons que apenas precisam de alguns minutos de atenção dos jogadores para que estes reconheçam a sua qualidade mas infelizmente estão submersos na enxurrada de lixo que vem dos AAA. É por isso que quando encontramos jogos desses aqui na redacção ficamos contentes por apontar um holofote para eles, por lhes dar o reconhecimento que devem ter, tal como Impact, Ring of Honor ou Lucha Underground dão aos seus lutadores.

Será este um problema sem solução ou será que pode existir uma viragem de mentalidade do consumidor? A questão que fica é se a população geral continua a papar as porcarias iguais a todas as outras ou se vai tentar dar um salto de fé para algo novo vindo do mercado independente?