São 4 da manhã e estou a rever a autópsia de uns peixes que acabei por deixar morrer no tanque número 5 por ter tido problemas no aquecedor e o funcionário responsável não ter sido célere o suficiente para o reparar. Aproveito para vasculhar as minhas próprias memórias. Não me lembro de quando foi a primeira vez que fui ao Aquário Vasco da Gama, mas lembro-me de me ter ficado no canto da memória a primeira visão da lula gigante que lá está conservada. Por outro lado, já em plena adolescência, lembro-me na perfeição da primeira vez que entrei no Oceanário, essa maravilha arquitectónica e do conhecimento que temos a sorte de poder visitar instalada em pleno Rio Tejo no meio do Parque das Nações. Ambos os aquários já foram visitados por nós na companhia do nosso filho mais velho por diversas vezes, e sempre que lá vamos continuamos a partilhar o fascínio pela vida marinha e por esse mundo estranho mas magnífico que existe debaixo das ondas.

Nunca tive um aquário, e admito que apesar de gostar muito de peixes a aquariofilia nunca foi hobby que me movesse. Para ser sincero nem saberia onde começar, e a probabilidade de montar um aquário de forma defeituosa e ele rebentar litros de água nos primeiros minutos ou de matar os peixes por negligência logo no primeiro dia eram muito prováveis. O que não significa que não consiga encontrar um aquário sem fundo de diversão em Megaquarium, o novo tycoon dos mesmos autores que nos trouxeram Big Pharma.

Os tycoons já tiveram os seus momentos de glória. No meu caso é um dos meus géneros favoritos, e daqueles em que eu acidentalmente posso ficar uma noite inteira sem dormir, perdido nas intrincadas agruras da gestão do que quer que seja o conceito do jogo onde ando. Talvez seja essa a razão pela qual tenho andado a fugir de Two Point Hospital como o Bruno de Carvalho da sanidade, mas apanhado na curva caí em Megaquarium, que transpira a magia de Rollercoaster Tycoon mas numa abordagem circunscrita a aquários.

O sistema de missões de Megaquarium serve-nos como tutoriais disfarçados, à medida que vamos conhecendo e pesquisando novas tecnologias e novos peixes, cada vez mais complexos. O que de início se resume à gestão de um pequeno aquário evolui rapidamente para a magnânima tarefa de fazer crescer um verdadeiro império aquarófilo, numa estrutura de museu/parque de diversões que quase faz envergonhar o Oceanário de Lisboa. Quase.

Na primeira hora o staff do aquário pode andar livremente pelos seus corredores, mas à medida que o jogo avança os visitantes querem cada vez menos ter percepção do que se passar por trás das cortinas, e grande parte da nossa gestão do espaço passará por conseguir construir o nosso aquário com bastidores onde toda a “magia” acontece.

A complexificação deste tycoon é impressionante e progressiva, e à semelhança dos melhores jogos do género a nossa masterização e compreensão da “figura total” acontece apenas depois de errarmos muito. Senti isso com as minhas primeiras abordagens á construção dos bastidores dos meus aquários, deixando por vezes algumas partes inacessíveis aos funcionários, e quebrando com as suas funcionalidades. Ou na forma como interligava diferentes espécies de peixes em tanques distintos, sem conhecer a fundo as necessidades e hábitos de cada um.

A complexidade dos peixes e das suas características vão evoluindo a um ponto em que quase nos tornamos experts de aquariofilia. Saber que uma dada espécie não pode ser colocada com outra por ter um comportamento bully, ou porque devida à sua diferença de estatura a probabilidade de se comerem era grande. Ou até a temperatura, luminosidade e decorações preferenciais, e de que forma articulamos todos estes aspectos para criar a melhor e mais optimizada rede de tanques do nosso aquário.

A partir do meio da campanha o jogo abre ainda mais a sua complexificação e passamos também a ter de contar com as necessidades e vontades dos visitantes, construindo espaços para estes descansarem, para se alimentarem ou apenas para comprarem souvenirs.

Megaquarium é um tycoon à moda antiga com apresentação de jogo novo. Com um interface “cheio” que relembra a abordagem visual de design para jogos mobile, onde tudo funciona por janelas como num browser, que vão enchendo o nosso ecrã. Felizmente que está lá um botão para fechar tudo para impedir o ruído e o caos. Um genial, relaxante e altamente complexo jogo de gestão com um visual cartoony, onde o próprio jogo não nos pune grandemente por querermos alterar as nossas decisões.

Mas mergulhar em Megaquarium é ir desbravando as profundezas de um dos tycoons mais sólidos e com maior atenção ao detalhe que jogámos em muito tempo. Apesar de ser pouco provável que este excelente jogo do estúdio Twice Circled consiga erguer-se à tona do mediatismo, fica a certeza de ser um dos melhores tycoons desta década.