Não foram poucas as vezes em que fiquei a namorar a caixa de Scythe, um dos jogos de tabuleiro recentes que melhor tem sido recebido pela crítica e dos jogadores, tendo escalado com todo o mérito pelo top do Board Game Geek até à sétima posição, destronando muitos dos grandes nomes do meio que por lá andavam.
Não sei se o motivo que me levou a olhar atentamente para Scythe foi o mesmo que outros jogadores: eu acho que todos temos um calcanhar de Aquiles para jogos cheios de miniaturas. Em Scythe as miniaturas não abundam em número com nos jogos de Eric Lang e da CMON, mas a temática era suficiente para ser apetecível, com as magníficas ilustrações que acompanham a caixa e o tabuleiro e a roubarem-me a atenção pelo seu tremendo dramatismo.
No meu grupo de amigos apenas conheço uma pessoa que possui o jogo, e já que não estamos juntos há quase dois anos, acabei por nunca ter oportunidade para o jogar. Andei seriamente a pensar em investir nele, mas depois de fazer contas a quanto é que gastei em jogos de tabuleiro, em retalho e em Kickstarter, nestes 2 anos, decidi pôr um pequeno travão e pensar duas vezes. É que a isto tudo ainda se soma o preço das capas de cartas e afins, que eu sou daqueles maníacos que necessita de ter os jogos todos protegidos.
Passado numa realidade alternativa com um Pós-Guerra diferente, depois da Cidade-Estado conhecida como “The Factory” ter contribuído com mechas para o esforço de guerra. Ainda a viver a devastação da Primeira Grande Guerra, Scythe passa-se no território da Europa de Leste que tenta ao pouco reerguer-se das cinzas do conflito.
Depois de ter lido e de ter conversado com amigos cuja opinião e sentido crítico eu respeito, eu sabia que a avaliação dada a Scythe era mais do que justa. Não haviam dúvidas de que se tratava de um jogo de tabuleiro de alta qualidade mecânica e com muita profundidade e desafio. Mas será que funcionaria no formato videojogo?
Com a aposta da Asmodee em converter alguns dos maiores sucessos de board games da última para videojogo, a dúvida pairava no ar. Ainda que à partida os 19,99€ que a adaptação digital versus o preço físico (ainda há pouco vi o jogo em promoção no Amazon espanhol por 60€) nos dê que pensar.
À falta de jogo de tabuleiro real e de jogadores online para satisfazer as intenções de multiplayer, o nosso longo mergulho na versão digital do jogo presente no Steam passou-se quase inteiramente contra a IA. E não estamos desiludidos. Como dizíamos, a profundidade mecânica de Scythe é vasta. Este é um worker placement (que é indubitavelmente o meu género de jogo de tabuleiro favorito do passado recente) com misturas de área de influência, e uma grande base de produção e gestão de recursos. A curva de aprendizagem deste jogo de estratégia é elevada, especialmente porque consegue tecer uma teia de diversidade mecânica interessante, com muitas nuances tácticas possíveis.
Comecemos por olhar a forma como Scythe desenrola as acções. Por turno temos uma acção base de um quadro de possibilidades, sendo que a acção que usámos no turno anterior fica em cooldown para que não possamos estar a fazer spam. Após fazermos essa acção (como produzir recursos, ou movimentar unidades) temos uma segunda (como construir edifícios ou mechas) que pode ser tomada se tivermos os recursos para a pagar. Ou seja, a nossa estratégia vai-se adaptando ao decorrer de cada partida, reajustando-se quase turno para turno para conseguir ser competitivo num jogo em que temos tantos factores para ter em atenção.
Scythe possui combate, mas não é de todo o seu foco. Diria até que o conflito directo é algo secundário num jogo em que o recurso à luta acaba por me parecer uma nota de rodapé perante a hegemonia territorial e “económica” que podemos ter no tabuleiro. Com diversas formas distintas de chegar à vitória, é fácil um jogador no início sentir-se exacerbado por tudo o que Scythe tem para oferecer. Mas também rapidamente sentimos que a qualidade e diversidade equilibrada de game design de Scythe faz dele um dos melhores jogos de tabuleiro da década.
A grande ironia de ver este port de Scythe para videojogo é sentir que o que é no fundo um brilhante 4X no seu habitat natural, o tabuleiro, é trazido de forma fluída e perfeitamente natural para o computador. A Asmodee prova mais uma vez que a sua aposta na transição do tabuleiro para o digital não é apenas um cash-in feito em “cima do joelho” mas sim fruto de uma grande observação em torno do material original e como seria ele optimizado numa lógica de videojogo. O único senão deste Scythe: Digital Edition é realmente o preço. Com a falta de jogadores online, só consigo compreender a sua compra pelo preço total para quem não consiga jogá-lo em tabuleiro com pessoas, ou para quem goste tanto do jogo que quer ter uma experiência single player versus AI como método de treino ou por pura diversão. E não pela sua qualidade, que é exímia, mas porque não consigo esquecer que por sensivelmente 3 vezes mais o preço do digital consigo ter um jogo com uma colecção gloriosa de miniaturas. Não existisse a versão física e mesmo por 19,99€ a opinião seria quase instantânea: Scythe é obrigatório para todos os fãs de 4X.