Caçada Semanal #183

Clickbait: a doença venérea dos media deste século. A forma sensacionalista como se tenta sacar uma pageview e um clique de formas risíveis já atingiu patamares de uma anormalidade atroz. Esta tendência fez-me deixar de seguir alguns dos mais históricos meios de comunicação social portugueses, e o breaking point foi ver a página oficial do DN no Facebook, um jornal com 153 anos de história, a terminar cada post de notícia com a pergunta “o que acha disto?”.

O que eu acho, DN, é que isto é estúpido.

Apesar de ter utilizado uma versão hiperbólica dos habituais clickbaits, a realidade é que esta caçada traz mesmo 3 indies completamente diferentes de tudo o que já jogámos. E não vão mesmo acreditar no número 2.

The Conjuring House

Não se existe maior lugar-comum (literal) no terror que a ideia de casas assombradas: mansões velhas e abandonadas habitadas por espíritos ou criaturas malignas cuja única missão é a de infernizar a vida dos seus habitantes, e, ao fundo do corredor da tortura, eliminá-los.

The Conjuring House é excelente na criação do ambiente tenso dos bons filmes de terror e na utilização dos clichés do género, quase sempre usados com gosto e precisão. A criação de uma boa aura do género já é muito para dizer num momento em que os jogos de terror narrativos na primeira pessoa são coisa que têm abundado em terras indie no PC, na maioria dos casos sem sucesso.

Neste jogo somos um jornalista que no início do século passado vai investigar a morte estranha do dono da casa. Um cliché narrativo num tsunami de clichés, numa linha de enredo tão expectável que a hiper-dependência que o jogo vai criando de jump scares rapidamente nos mata o elogio que fazemos à qualidade do ambiente.

Há um bom uso da tensão com coisas que vemos na visão periférica e que desaparecem, mas que não chega para disfarçar a repetição do ciclo de estarmos em constante fuga de algo, de nos termos de esconder e de resolver puzzles, apenas para começar tudo de novo num novo ciclo.

The Conjuring House tinha todos os argumentos no seu ambiente para ser mais do que é dentro do género do terror. Mas nem sempre sabemos dosear a utilização de lugares-comuns e a necessidade de fazer algo novo.

Where They Cremate the Roadkill

Já alguma vez jogaram um RPG dadaísta?

Criado por um dos mais experimentais estúdios indies que conhecemos, The Gunseed Collab, nasce o terceiro jogo lançado pelo colectivo criativo, com um nome sugestivo e inesquecível: Where They Cremate the Roadkill.

Não existem muitos jogos que se possam orgulhar de possuir 3 estilos artísticos distintos ligados aos 3 protagonistas do seu jogo. Neste RPG narrativo e experimental, nenhum dos cerca de 700 NPCs únicos que o povoam nos vão permitir linhas de diálogo que nos digam nada de concreto, mas ao mesmo tempo conseguem dizer-nos tudo.

Em relação ao caminho a seguir, não existe qualquer direccionamento ou interligação de game e level design que nos valham. Where They Cremate the Roadkill é uma experiência artística e como tal a sua liberdade de exploração é também o ónus da sua existência. Essa é a razão para não existirem quaisquer indícios de encaminhamento do seu game ou level design.

Where They Cremate the Roadkill não é um jogo para todos, com todo o seu ambiente experimental, filosófico e metafísico, representando-se artística e conceptualmente nos meandros das linhas surrealistas e dadaístas, criando-nos um sentido de estranheza como um livro de William Burroughs.

Mas o que consegue é construir algo inesperado, único e interessante com RPGMaker, num jogo de nicho que me manteve interligado à sua proposta, e acredito que não apenas pela minha formação académica ou pelo envolvimento emocional e histórico no movimento surrealista. Mas porque Where They Cremate the Roadkill faz algo que muitos poucos fazem nos dias de hoje: experimentar e ter uma voz única.

https://www.youtube.com/watch?v=h6rbDQ7hCKw

Slam Land

Baixando os níveis de dadaísmo uns patamares abaixo, encontramos Slam Land, com

direcção artística caricata e algo grotesca, mas que é, com toda a honestidade, o seu grande selling point. Lançado para Switch, PS4 e PC, este party brawler para 4 jogadores é Super Smash Bros. se este estivesse privado de sono e pegasse numa máquina de escrever e dactilografasse o seu próprio código em papel timbrado e o tentasse pôr a correr em ambiente virtual.

O problema da privação de sono é que tudo fica difuso, um pouco como os controlos de Slam Land e a sua falta de precisão. A inspiração em SSB não é suficiente para disfarçar que Slam Land tem mais algo grotesco que não apenas as suas figuras sem nome: os controlos deixam muito a desejar em termos de atenção ao detalhe e ao cálculo do impacto das hit boxes dos personagens, o que num jogo mais “a sério” era algo para deixar os jogadores indignados pelas “injustiças” que isto cria.

Sem quaisquer instruções nos seus diversos modos, Slam Land obriga-nos a descobrirmos nós mesmos o que raio andamos ali a fazer aos saltos e a “afundar” os nossos adversários: o slamming é afinal a base de todo o jogo, em que nos leva a pegarmos nos outros jogadores e a fazermos afundanços com eles.

Se a vossa ansiedade por SSB Ultimate é tão grande que não conseguem esperar, Slam Land pode ser uma espécie de metadona para a vossa ressaca. Não vai ter o mesmo efeito mas é melhor que nada.