Lembram-se de um tempo em que os EUA e a Rússia se odiavam, e um clima de desconfiança mútuo ameaçava a sobrevivência do planeta? “Velhos tempos” dirão alguns, ainda em choque pelas alterações geopolíticas de seguimento imprevisível desde a vitória de Donald Trump nas eleições. Um cenário de vitória de um candidato quase caricatural, que, convenhamos, nos soa mais ficcional do que uma espécie de Jagged Alliance ou XCOM passado na Guerra Fria. Mas é apenas mais um daqueles casos em que a realidade consegue ser mais estúpida que a ficção.
A premissa inicial de Phantom Doctrine de um jogo de estratégia táctico levado a cabo por espiões na Guerra Fria deixou muita gente, em inclusivamente, com uma pulga atrás da orelha, que muito provavelmente lá foi implantada por motivos de vigilância.
Quando a acção tem início lá temos de escavar as nossas entranhas para percebermos se queremos ser ex-CIA ou ex-KGB, o que é daqueles dilemas tramados que mais soam a profiling de jogadores pela NSA do que a uma verdadeira escolha. Mas em honra do John le Carré, cujas lombadas de livros me marcaram a infância admitindo eu desde já que nunca li nada dele. Aceitei a premissa e deixei-me ir na suspensão da descrença. Ao contrário do que esperaria, não são nenhuma das duas agências os vilões, mas sim uma organização secreta (e ficcional, acho eu) chamada The Beholder, que provavelmente é um piscar de muitos olhos a algo que muitos de vocês já encontraram em Dungeons & Dragons. Ou isto é apenas uma extrapolação minha e tenho direito a tê-la.
As missões em si são aquilo que esperaríamos de um jogo do género com temática de espionagem e Guerra Fria: infiltrações, remoção de agentes, eliminação de inimigos, obtenção de informações, entre um sem número de clichés de espiões que só não termina com toda a gente a beber vespers por sorte.
O grande problema de Phantom Doctrine em relação aos seus congéneres (e à genialidade dos jogos da Firaxis por comparação) é que me parece que a falta de diversidade e o desequilíbrio entre diversos tipos de unidades acaba por encapsular o combate a um sistema de quebra de mecânicas.
Vejamos o caso claro da utilização dos cleaners em oposição a outro tipo de “classes”. Visto que Phantom Doctrine incluiu um sistema de one-hit-kill em inimigos com menos HP que o personagem que faça esse movimento, isto permite que a utilização de disfarces e a habilidade do segundo cleaner (em parelha) de fazer desaparecer corpos faz desta escolha o momento em que é possível quebrar quase todas as missões com a mesmíssima táctica, arruinando por completo qualquer pretensão táctica inspirada nos melhores do género. Quer dizer, poder, podemos fazê-lo, mas com uma opção mecânica tão superior às outras o jogo quase que nos condiciona a utilizar um triângulo para encaixar em todas as outras formas.
Eliminando também os rolls de dados invisíveis dos nossos ataques está uma mecânica de awareness, uma barra que se vai passivamente enchendo e que pode ser a diferença entre acertar um tiro certeiro ou conseguirmos desviar-nos dos ataques dos inimigos.
Onde Phantom Doctrine brilha realmente e quase que cumpre todo o potencial das promessas e entusiasmos que nos criou desde o seu anúncio é em tudo o que existe para fazer entre missões. Desde jogar um quase jogo de tabuleiro a deslocar unidades de cidade em cidade numa brincadeira de gato e rato à procura de membros da The Beholder, a fazer crafting de novas ferramentas, armas, passaportes e outros objectos que nos permitam levar a cabo as nossas missões, e, se houver tempo, salvar o mundo.
Os jogos entre jogo não se ficam por aqui e temos também a possibilidade de interrogar espiões inimigos e fazer-lhes lavagens cerebrais, para além de termos um mini-jogo de criação de linhas de interligação entre documentos e informações obtidas, unindo ficheiros para desvendar a bigger picture das conspirações à nossa volta.
Phantom Doctrine apresenta-nos óptimas ideias que poderiam ter sido levadas mais longe, não fosse o enredo mediano de uma história de espiões aborrecida cortar-lhes as asas a meio do voo. Não ajuda também o desequilíbrio mecânico e a falta de uma identidade única aos nossos personagens, impedindo-nos muitas das vezes sequer de criarmos uma ligação com eles. Este é um daqueles casos que é muito recomendável para os fãs do género, mas que se devem aproximar com cuidado, como se de uma cápsula de Novichok se tratasse. Tem muitas falhas, muitas promessas não-cumpridas, e fica muito aquém do valor que um XCOM passado na Guerra Fria poderia ter.