Não é preciso pensarmos muito para percebermos que o que é mau, vende, e muitas vezes muito. Super Seducer saiu no primeiro trimestre deste ano pela mão do seu criador, Richard La Ruina, auto-apelidado seducing coach que viu no mercado dos videojogos a presa fácil para todo o seu “saber”. Depois de muitas polémicas, algumas fundadas, outras menos, a realidade é que todo o burburinho em torno deste FMV game decerto contribuiu e muito para as vendas do jogo, tanto que com alguma surpresa já estamos a receber a sequela nem meio ano depois do primeiro ter visto a luz do dia.

La Ruina pouco se deve importar com a opinião que se tem dele ou do seu jogo. E isso percebe-se pelo facto de que a comunicação a media que é feita do jogo vende-o como um “Tommy Wiseau dos videojogos”. O que pode ser uma boa manobra de marketing mas é completamente falacioso. Enquanto que Wiseau criou um mau filme na total confiança e ingenuidade de que estava a fazer uma obra-prima, La Ruina é inteligente o suficiente para perceber que a sua colocação no mercado de videojogos é único, e há que rentabilizar com isso o quanto isso. A qualidade dos dois Super Seducer (ou a falta dela) não se centra na visão idealista de La Ruina, muito pelo contrário. É um produto que quer vender, pela controvérsia. E fá-lo.

A primeira diferença que temos quando mergulhamos neste Super Seducer 2 é que percebemos que houve aqui um grande aumento de valor de produção para o primeiro. Não apenas no número de “actores” e “actrizes” mas também pela própria filmagem e pós-produção, bem mais sólida e complexa que o primeiro jogo.

O anúncio de missões sob a perspectiva feminina só chega mais tarde, depois de termos percorrido uma série de engates com o nosso conhecido La Ruina. Assim que começamos sentimos que Super Seducer 2 é mais auto-consciente enquanto videojogo que o seu antecessor. Muitas piadas meta-gaming, algumas delas a explorarem os casos de #MeToo com referências a Louis C.K e Harvey Weinstein, são também um prenúncio que o próprio “enredo” se refreou face à situação internacional em torno do assédio sexual.

Super Seducer 2 é mais comedido na sua própria estupidez. Se o primeiro levava ao extremo as sugestões e as frases erradas de engate, roçando o misógino, este segundo parece mais temerário e mais controlado.

Este auto-controlo e auto-consciência fez-me pensar, erroneamente, que a mudança de ponto de vista de La Ruina para ser menos sexista iria existir. Cada uma das missões tem finais múltiplos e ramificações inesperadas. Na primeira missão podemos cair num caminho em que terminamos sozinhos mas vamos para o meio do deserto disparar uns mísseis, quiçá, nucleares. Apenas porque sim. Mas há outra decisão nessa missão que nos pode levar a largar a rapariga que estamos a engatar para ir ter com outra que acabou de chegar, ramificando a própria “missão”.

Este sistema de ramificações e o tone down que La Ruina imprimiu ao seu jogo fez-me acreditar, na segunda missão, passada em torno de um engate de um patrão à secretária, que o final certo seria mantermos tudo profissional e não a seduzir. Mas não. Nem com #MeToo, nem com as referências ao caso do próprio La Ruina este consegue ser mais consciente em torno da situação. Perderam aqui uma oportunidade para apaziguar parte dos erros que têm cometido, e nem por hipocrisia o conseguimos ver a passar uma imagem com o seu jogo de que engatar alguém no local de trabalho, especialmente para quem está em situações de poder, é errado.

O ponto do qual mais gostei nesta sequela é a diversidade de interlúdios para resposta de la Ruina. No primeiro jogo estes interlúdios eram praticamente todos semelhantes, e giravam em torno dele em cima de uma cama acompanhado de duas raparigas. Se acertássemos elas estariam de lingerie, se fossemos assim-assim elas estariam vestidas e se errássemos La Ruina estaria sozinho. Nesta sequela todas as respostas foram individualmente gravadas com situações semelhantes, e envolvem quase sempre La Ruina a sofrer nas mãos dos dois “armários” que o acompanham. Seja a pegarem-no pelos colarinhos, a obrigarem a engraxar sapatos, a preparar-se para levar bastonadas, esta é uma espécie de redenção de La Ruina. As suas respostas vergonhosas despoletam estas situações penalizadoras para si mesmo, como se ele pagasse o castigo por, nas frases em que erramos, ser uma besta, misógina e sexista.

Apesar das ramificações, finais múltiplos, e maior valor de produção, Super Seducer 2 acaba por ser menos interessante que o primeiro, pelas mesmas razões que o fazem menos “nojento”. O facto de ser mais auto-consciente e de controlar o extremismo das respostas acabou por torná-lo muito sem sal. E é estranho que mesmo eu, que refuto qualquer tipo de misoginia, sexismo ou postura animalesca de engate, conseguia ver os “abusos” criativos do primeiro como uma auto-paródia, e era aí que residia o pouco apelo que lhe senti.

Esta sequela é demasiado controlada, temerária, e com isso perde qualquer réstia de piada que o antecessor teve. Na tentativa de não irar a comunidade, La Ruina acabou por despir grande parte do seu jogo de todo o que lhe dava algum sabor, ainda que este sabor fosse muitas vezes agridoce.

A surpresa desta sequela? É que lá no menu vemos um Super Seducer 3 a sair em Março de 2019. As vendas parecem estar a correr bem, e La Ruina tem o tempo contado para tirar todo o leite possível a esta vaca. Mas pelo caminho o impacto inicial quase tone def foi substituído por um meio caminho desenxabido entre tentar ser politicamente correcto e ser um bardajão. O resultado é o equivalente a colocar o Zezé Camarinha no papel da Eliza Doolittle. E isso é coisa que ninguém quer ver.