Para a malta mais entradota, falar de living (ou trading) card games é falar do pai de todos, do sumo-sacerdote das cartas de lutas, presidente da república da mana: o Magic, the Gathering. A malta mais jovem tem o Hearthstone da Blizzard como referência, e uma ideia vaga das aulas de História em que se falava dos achados arqueológicos da Wizards of the Coast.
The Lord of the Rings: Living Card Game quer ser mais Hearthstone do que Magic. Pudera, em pleno 2018, quando aquele é mais poderoso do que o que lhe abriu caminho. E isso é tão óbvio que até o estudo feito pela Fantasy Flight Interactive em termos de IU é tão descaradamente decalcado de Hearthstone que nós até acabamos por desculpar por ser tão óbvio.
Há aqui uma pescadinha de rabo na boca curiosa se pensarmos bem. Os livros de Tolkien acabariam por criar os fundamentos literários do que décadas depois viria a ser Dungeons & Dragons, que por sua vez surtiu influência na criação de Magic. Daí ao salto óbvio para Hearthstone e a ironia do destino de ser o sucesso deste a influenciar a adaptação a videojogo do living card games de Frodo e companhia. Falem-me em fechar o círculo e eu não só vos falo do One Ring como me arrepio com as voltas que o mundo dá.
O primeiro ponto neste Early Acces que me agrada, e muito, é a campanha PVE existente. A ideia de pegarmos num baralho customizado e enfrentarmos narrativamente as hordas de Sauron e companhia, defrontando-os, como dizia o outro, “com o poder das cartas”, é uma verdadeira delícia. Se há uma semi-queixa que muitos jogadores sentem em relação a este género é que o foco, como seria de esperar, é quase todo dedicado ao modelo competitivo. TLotR:LCG quer ir mais longe que isso: construindo um jogo maioritariamente indicado para PVE, a solo ou cooperativo, como muitos board games em cartas fazem nos dias de hoje.
A postura é uma mescla entre puzzle, no sentido em que temos de um verdadeiro quebra-cabeças de quais as cartas e de que forma deveremos ultrapassar as missões que nos são apresentadas, e a narração, com as missões a serem também interpretadas por personagens que nos vão contando a história.
As semelhanças com Hearthstone terminam assim nas soluções visuais e de interface e na simplicidade de mecânicas. TLotR:LCG tem uma barreira de entrada mais baixa que Magic, e isso é suficiente nesta versão videojogo para conseguir agarrar novos jogadores pelo desafio que nos apresenta.
Visto que estamos a jogar contra o tabuleiro, ou neste caso, Sauron, há algumas adições aos LCGs habituais que encaixam na perfeição no jogo. A primeira é a barra de Ameaça, que se vai enchendo com as nossas acções, e que ao tornar Sauron mais consciente da nossa “presença” também lhe vai desbloqueando habilidades cada vez mais punitivas para nós.
A minha única apreensão com este título é o sistema de obtenção de cartas que será implementada, que ou muito me engano ou seguirá erroneamente o modelo do Hearthstone. A minha maior crítica ao jogo da Blizzard foi a implementação de um sistema de grind incessante que pode ser colmatado pelo investimento financeiro, e que para mim, transforma o jogo numa espécie de pay-to-win. Mas se quase o compreendo e quase o aceito por ser um jogo F2P, temo que a inclusão desta prática neste The Lord of the Rings: Living Card Game possa fadá-lo à nascença. O que seria uma tremenda perda perante as excelentes ideias que aqui estão aplicadas.