Do outro lado do Atlântico

Para aqueles que estão interessados, o vosso caro jornalista está neste momento em Cambridge numa visita de investigação para o seu doutoramento. E agora vocês perguntam-se: “O que é que isso contribui para a minha felicidade? O que é que o rabo tem a ver com as calças? Quem é que é estúpido ao ponto de tirar um doutoramento?”. Bem, embora todas essas questões sejam válidas e interessantes de um ponto de vista de debate filosófico, não as vamos abordar neste artigo. Neste artigo vamos falar sobre um curto painel de developers de jogos VR (Virtual Reality) que marcou presença na mini-conferência Reality Connect 2018, precisamente em Cambridge.

Um painel invejável

O painel juntou Will Brierly, Cy Wise, Alex Schwartz, Michael Levine e Sean Halloran (todos developers ou envolvidos na indústria de videojogos em realidade virtual) com o objectivo de abordar a problemática de contar uma história num ambiente VR, em comparação com o meio tradicional 2D a que estamos habituados. Em particular, as novas abordagens e técnicas desenvolvidas para este meio em específico e os maiores desafios em desenvolver uma experiência coesa em termos mecânicos e narrativos.

Entre amena cavaqueira e algumas histórias pessoais divertidas que vos contarei mais à frente, o painel tocou em vários pontos importantes.

Da esquerda para a direita: Will, Sean, Alex, Cy e Michael

Embora a tecnologia de VR já exista há cerca de 30 anos, apenas recentemente começou a ganhar tracção, muito duvido aos avanços tecnológicos que permitem criar ofertas de hardware mais baratas, ergonómicas, transportáveis e de qualidade aceitável. Por qualidade aceitável, estamos a falar de hardware capaz de gerar algo mais do que ambientes simples e pequenas interacções com um frame rate constante de no mínimo 90 fps (sendo aconselhável 120 fps). Este nível consistente de fotogramas é crucial para evitar o típico enjoo associado a algumas destas experiências VR. Algo também crucial (e que os próprios developers ainda admitem estar a descobrir) para evitar este enjoo, é a maneira de locomoção da personagem no jogo e como é que essa se relaciona com a maneira como o jogador se posiciona no mundo real. Com algum embaraço, Alex e Cy admitiram que a melhor solução que encontraram até agora foi teletransportar o jogador de local para local. Esta abordagem, que à partida aparenta ser contra natura, não provoca qualquer enjoo no jogador e, quando inserida no contexto narrativo e mecânico, como no jogo desenvolvido por ambos, soluciona o problema e cria mecânicas engraçadas. Outra técnica que tem resultado muito bem para ambos tem sido criar o espaço em função da locomoção e interacções próprias a VR e não a abordagem tradicional de criar um espaço 3D esteticamente atractivo e interessante e depois tentar inserir as mecânicas de jogo nesse mesmo espaço. O developer deve sempre manter em mente que quando desenvolve um jogo para VR, deve maximizar a possibilidade e liberdade de interacção, procurando convidar o jogador a experimentar e interagir com o seu ambiente, em vez de o prender a uma narrativa e experiência linear e limitada. No entanto, embora salientando que este meio (a partir de agora, quando falar de meio, refiro-me à indústria de videojogos VR) é recente e de natureza extremamente volátil e exploratória, o painel garante que a maior parte dos desafios da ótica do developer estão satisfatoriamente resolvidos, sendo necessário agora maiores avanços em hardware como mecanismos de resposta háptica que sejam ao mesmo tempo eficazes, baratos e ergonómicos.

Devido a esta natureza volátil e exploratória, o painel afirmou que é um meio no qual é mais difícil obter fundos de desenvolvimento, pois possui um risco inerente a qualquer mercado de nicho. No entanto, também salientaram que isto torna-o no meio perfeito para a proliferação de pequenas equipas e projectos de pequena-média duração com alta rotatividade e inovação, o que traz um maior grau de liberdade e diversão, pelo menos na opinião do painel. Graças ao primeiro ponto, tem havido um declínio nas vendas de jogos e hardware VR, pois os grandes players (em termos financeiros, não vulgos jogadores) tentaram a abordagem de trazer experiências do mercado “normal” de videojogos para o meio VR, sem grandes alterações. Isto resulta em meias experiências, quando não resulta em produtos simplesmente não funcionais. Esta tática barata de tentar sacar mais dinheiro aos jogadores veio cortar o ímpeto do mercado e colocar VR no patamar de apenas mais uma gimmick. Felizmente, desde aí, alguns grandes nomes decidiram voltar às origens do meio e contratar pequenas equipas dotadas de maior flexibilidade, dinamismo e criatividade e deixá-las experimentar livremente com o meio com o objectivo de criar experiências únicas e próprias à VR. Na opinião do painel, esta aposta tem tido bons resultados e veio redinamizar o mercado, criando uma espécie de Renascimento da VR.

Dar o corpo ao manifesto

Concluído o painel, foi altura de relaxar e responder a questões do público e partilhar algumas histórias caricatas. Cy conta que uma vez, após uma longa sessão de otimização de frames num jogo, foi às compras e entrou num supermercado em que as luzes estavam a piscar a alta frequência. Devido a isto experienciou um ligeiro ataque de pânico, pois pensou que estava a perder frames na vida real e não conseguia tirar o capacete. Depois desta história, o painel salientou que desenvolver um jogo para VR é uma atividade altamente taxativa e que deve ser sempre intercalada com sessões de exercício físico, meditação, ou um simples passeio ou soneca, de maneira a que o corpo e o cérebro não se habituem a estar nesta realidade alternativa durante dias a fio. Outra história engraçada focou-se na dificuldade de teste diferente dos jogos de VR, ou seja, devido à natureza dos jogos, os developers procuram expor o máximo de pessoas ao seu jogo, para tornar a experiência o mais estável e acessível a todos. Desde testar o jogo em crianças com pouco mais de 6 anos, a pessoas de idade superior a 90, grávidas, pessoas que tivessem acabado de comer, etc…toda uma panóplia de cenários e considerações diferentes foram expostas pelo painel.

Em jeito de conclusão, o painel concordou em uníssono que o meio parece estar a crescer e a desenvolver-se de maneira saudável, não só no mercado de videojogos, e aponta o vindouro Oculus Quest como um grande passo em frente em termos de acessibilidade do meio. Parece que nos próximos anos podemos esperar uma explosão de experiências diversas e interessantes, pelo menos dos developers presentes no painel!