Foi com desconfiança que fui testar Diablo III – The Eternal Collection para a Switch. Uma desconfiança agravada daquela que senti quando me propuseram testar o mesmo jogo numa PS4. Talvez ligeiramente inferior à que senti quando Charles Cecil me passava um Dual Shock 4 para as mãos para testar Broken Sword 5 na PlayStation. Mas desconfiança séria, ainda assim.
“Diablo é PC”, pensei eu. E ao meu lado, na memória, o Paulo Bento repetia as lapalissadas sobre andebol jogar-se com as mãos e futebol com os pés. Diablo, para mim, a chegar ao meio dos trintas, é sinónimo de tendinites. A primeira inflamação grave que tive na mão direita (ao contrário do que possam imaginar) foi graças ao primeiro jogo, reincidindo uns anos depois quando a sequela chegou ao mercado. Diablo cheira a Voltaren. Diablo é sinónimo de grind mas também equivale a ratos deitados para o galheiro e horas roubadas ao sono que pouca mossa faziam na adolescência.
Mas Diablo numa consola, ainda mais portátil? Tinha sérias dúvidas.
Não demorei muito a desmistificar as minhas próprias dúvidas, especialmente naquela que era a prova dos nove do Diablo na Switch: jogá-lo em modo portátil. As cedências técnicas que a consola tem de fazer para nos permitir jogar o famoso jogo da Blizzard em qualquer lado pouco importam num jogo que conta já com seis anos de vida. E que de alguma forma parece ganhar na Switch uma nova vida naquele que deveria ser a sua entrada na reforma. Qualquer semelhança com o grande Beto Acosta é pouco mais que uma coincidência.
Diablo III funciona extraordinária e surpreendentemente bem em modo portátil, com ligeiros blurs a disfarçarem os ajustes gráficos para a consola. Há, porém, um pormenor técnico que nos lembra que o jogo não foi criado para este ambiente: a luminosidade, ou a falta dela. Dependendo dos locais por onde deambulamos com a nossa Switch, a necessidade de colocar a luminosidade no máximo e ainda trazer uma daquelas lanternas a pilhas segura pelos dentes pode ser a diferença entre percebermos o que está a acontecer no ecrã ou sermos devorados por hordas de inimigos. Mas no conforto da nossa casa, com a iluminação devida, as diferenças lumínicas para compreender o que se passa na consola deixam de existir.
Com as necessidades de grind intrínsecas a Diablo, o modo portátil acaba por ser perfeito porque nos permite curtos momentos de jogo, em que podemos utilizar tempos mortos para nos fazermos a uma dungeon e a um boss, podendo suspender essa aventura em qualquer momento.
Na televisão, em modo docked, a coisa é como esperaríamos: idêntica à versão de PS4. O mesmo detalhe e o mesmo mindset de transferência do que conhecemos da série jogada com rato e teclado para os múltiplos botões de um comando contemporâneo.
Joguei Diablo III desde o dia em que saiu no PC, e tenho dezenas de horas investidas nas minhas personagens (mas muitas menos que alguns dos meus amigos). Um dos detractores ao meu investimento de tempo na versão de PS4 do jogo prendia-se com a impossibilidade técnica de aceder às informações da minha conta de Battle.net, e consequentemente ao acervo dos meus personagens. O mesmo acontece nesta versão de Switch onde, para quem já jogou o jogo como eu, teremos de começar do zero como se nunca tivéssemos tido contacto com o jogo antes.
Há vários argumentos únicos para o investimento deste Eternal Collection na Switch, e o primeiro deles é que muitos dos jogadores da consola só tiveram consolas da Nintendo, e estiveram afastados da famosa série desde a sua origem. Para estes esta será a derradeira oportunidade de conhecerem e experimentarem em primeira mão o porquê do sucesso e da paixão que milhões de jogadores têm em volta do Diablo.
O segundo, e maior argumento, é o co-op local, que parece debruado a ouro sobre a consola híbrida da Nintendo. Poder entrar no jogo de um amigo ou vice-versa e andar a combater as hordas demoníacas lado-a-lado, em jogo, e na vida real, e poder fazê-lo em literalmente qualquer lugar, é um sonho cumprido.
Tenho sido muito crítico de alguns ports desenxabidos que têm saído para a Switch, na tentativa singela de fazer cash-in ao tremendo sucesso da consola. Mas Diablo III – The Eternal Collection é daqueles ports que fazem sentido, que mudam a forma como olhamos para uma série que conhecemos desde que nos lembramos, e que ainda por cima trazem possibilidades que não existiam em qualquer outra versão. Para quem já tem muito investimento em Diablo III no PC ou na PS3/PS4/Xbox 360/Xbox One os argumentos para começar tudo do zero agora na Switch poderão não ser muitos. Mas para todos os outros, daqueles que só tiveram consolas Nintendo e nunca puderam jogar Diablo, ou até aos aficionados da série que querem sentir o que é afinal poder fazer grind incessante nos transportes públicos, esta aposta é obrigatória. Uma versão que não é isenta de tendinites mas que diminui em muito essa probabilidade.