Numa série de acasos bizarros, parece que pelos lados de Cambridge há muitos eventos relacionados com videojogos e o ambiente circundante. Ou isso, ou então o tópico é de facto relevante e encontra-se no centro das atenções, mas quem sou eu para tecer tais considerações? Fruto do acaso ou não, é então o meu prazer trazer-vos neste artigo o que se discutiu no evento “The eSports, Gaming and Blockchain Technology Revolution” e a minha opinião acerca do mesmo.
Neste evento a discussão ficou a cargo de um painel composto por Giovanna Fessenden (perita em propriedade intelectual e blockchain), Jake Fyfe (General Manager da Echo Fox ), Kevin Mitchell (Consultor e professor de eSports ), T.L. Taylor (Investigadora em new media, com foco em streaming e gaming culture) e Khalid Jones (Co-proprietário da Echo Fox). O foco prendeu-se no estado dos eSports e no seu futuro tendo em consideração a evolução excepcional dos mesmos. Para este fim, foram abordados tópicos tão diversos como a integração destes na sociedade, na educação e a contribuição de novas tecnologias para o seu desenvolvimento.
Todos diferentes, todos iguais
Desportos Tradicionais | eSports | |
Fonte de Receitas | Patrocínios
Partilha de Lucros da Liga Merchandise |
Patrocínios
Merchandise Conteúdo Monetizável Subscrições e doacções |
Posse da Liga | Equipas da Liga | Editora do jogo |
Propriedade Intelectual | Jogo não é posse de ninguém | Jogo é posse da editora do jogo |
Inicialmente foram ilustradas algumas diferenças entre os eSports e os desportos tradicionais, comentando sobre problemas ou vantagens associadas aos mesmos. A primeira foi o número de espectadores únicos deste tipo de eventos, que já suplanta grandemente o número de espectadores de desportos tradicionais, com algumas excepções, como é o caso da SuperBowl ou do Mundial de Futebol. Embora ambos partilhem algumas das principais fontes de receitas, como patrocínios e venda de merchandise, existem algumas diferenças cruciais entre eles. Enquanto nos desportos tradicionais normalmente há uma liga composta pelas diferentes equipas, na qual ocorre uma distribuição dos lucros e uma partilha na tomada de decisões, o mesmo não acontece nos eSports, pois as ligas não são das equipas, mas da empresa que publicou o jogo. No entanto, muitos eSports têm a vantagem de possuírem uma monetização muito mais pessoal, imediata e clara. Isto pode ocorrer quer através da criação de conteúdo monetizável para plataformas como o Youtube/Twitch, como de subscrições e/ou doações nestas mesmas plataformas, quer pela parte de jogadores individuais, ou das equipas que assinam os mesmos. Este problema de não haver uma posse directa das equipas na liga pode gerar problemas, pois a editora do jogo detém muito poder de negociação na criação de torneios e na determinação do acesso a estes, até porque é detentora da propriedade intelectual do jogo em questão. O mesmo não se pode dizer de um jogo como basquetebol ou futebol, cuja propriedade intelectual é do domínio público.
Este ponto do balanço de poder entre Criador do jogo-Equipa-Jogadores foi um grande foco de preocupação do painel, que admite que há ainda muito a trabalhar para garantir um diálogo entre as três parte envolvidas, quer para garantir melhores condições de trabalho, contratos e segurança aos jogadores, como permitir às equipas ter mais envolvimento em decisões tomadas pelo criador do jogo e garantir uma maior estabilidade e justiça para todas as partes envolvidas.
Ganhando confiança, ganha-se tudo…
Um ponto crucial abordado pelo painel, foi também o poder transformativo da tecnologia de Blockchain para o crescimento saudável do mundo dos eSports. O acesso a ferramentas mais seguras de encriptação irá grandemente aumentar a confiança na quantidade enorme de transacções ocorrentes no mercado online, desde entregas de prémios e doações, a gestão de compras in-game e mercados de apostas. Com uma maior confiança e capacidade de supervisão, o mercado irá atrair investidores sérios com a possibilidade de criação de plataformas standardizadas para monetização. Pelo menos é essa a visão do painel, restando apenas o tempo para a testar.
eSports e as instituições de educação
Outro tópico que tem vindo a ganhar tracção no mundo dos eSports, pelo menos em terras estadunidenses, tem sido o papel destes na educação e vice-versa. A nível superior e mesmo já de educação secundária, surgem equipas associadas a escolas com capacidade para jogar profissionalmente. Muito à semelhança dos restantes desportos nas universidades dos EUA, os eSports começam a ser levados a sério, com o aparecimento de bolsas de estudo para os melhores jogadores e clubes de escola com condições para treinar equipas a nível profissional. Além disso, começam a surgir os primeiros cursos orientados para o mercado dos eSports, como jornalismo, gestão de marca e negócio nos eSports. A previsão de Kevin Mitchell, Professor Adjunto de dois cursos de eSports na Emerson College e consultor de todas as equipas de eSports universitárias das Universidades da Ivy League, é que no futuro os eSports sejam considerados como qualquer outro desporto universitário, com a possibilidade de serem bem mais rentáveis devido ao baixo custo de investimento quando comparado a desportos mais tradicionais.
eSports por uma sociedade melhor
Além de todas as quebras de paradigma e novos desafios que os eSports trouxeram, é também necessário ver as oportunidades que estes oferecem para impactar a sociedade de uma maneira positiva. Na perspectiva do painel, os eSports podem ser um grande aliado no combate a problemas como desigualdades de género, económicas e raciais, por terem uma baixa barreira económica de entrada (a maior parte dos jogos são grátis e optimizados para correr em computadores de gama média-baixa) e oferecerem, em geral, um ambiente em que todos temos acesso às mesmas ferramentas e capacidades, dependendo o resultado do jogo não tanto de condicionantes físicas, mas mais da dedicação e treino do jogador. Isto efectivamente tende a criar o que se pode chamar um “level playing field” que oferece oportunidades semelhantes a todos os tipos de jogador. No entanto, o painel concordou em unanimidade que é preciso continuar a combater alguns estigmas da sociedade em relação ao papel do género feminino nos eSports, que continua severamente subrepresentado, particularmente a nível profissional. O mesmo não aconteceu com a opinião de criar ligas ou torneios especializados para cada género, que até criou alguma clivagem entre os membros do painel, alguns argumentando que estes torneios dariam uma oportunidade para jogadoras femininas se destacarem, enquanto outros argumentavam que dada a natureza integradora dos eSports, deve haver um torneio único no qual se devem juntar todos os jogadores e não diferenciar as competições.
Para concluir o painel houve algumas breves questões do público que levantaram discussões interessantes. Primeiro foi questionada a hipótese dos eSports fazerem parte dos jogos olímpicos, ao que o painel respondeu que no momento essa discussão ainda se encontra em estados muito iniciais e que não acham que seja muito importante, pois há pontos mais importantes a abordar para o crescimento dos eSports no futuro, muitos dos quais discutidos durante o painel. Outra questão abordou a problemática de garantir o bem-estar dos jogadores profissionais após a conclusão da sua carreira, pois muitos não concluem os estudos para perseguir os seus sonhos. O aumento do número de ofertas educativas associadas ao mundo dos eSports e carreiras daí subsequentes, assim como a existência de bolsas educativas para garantir a educação dos jogadores, são medidas apontadas pelo painel como cruciais na garantia da transição dos jogadores para papéis de chefia, gestão ou comunicação dentro das equipas de eSports.
Após a conclusão do painel, ficamos com a sensação de que os eSports estão a atrair interesse de profissionais qualificados de áreas extremamente diversas e estão a ser pensados de maneira muito multifacetada. Com peritos de tecnologia, educação, gestão e comunicação, o painel foi extremamente enriquecedor e assegura que o futuro dos eSports está em boas mãos, delineando alguns dos próximos passos a tomar de forma a garantir o crescimento continuado e sustentável desta inovadora forma de entretenimento. Embora ainda restem problemas a resolver e dúvidas a esclarecer, particularmente no que toca à garantia de direitos de todas as partes envolvidas e na utilização dos eSports como arma transformativa da sociedade, o futuro dos eSports parece mais brilhante do que nunca!