O que farias por alguém que amas, ou algo em que acreditas, é uma questão que muitos media usam para explorar qual é o limite do razoável. Muitos de nós gostamos de pensar que os nossos limites não existem, ou que dificilmente conseguem ser alcançados, se quem amamos ou o que acreditamos for mesmo importante para nós. A ideia por detrás deste jogo testa esse limite.
The Missing: J.J. Macfield and the Island of Memories é o último jogo do SWERY e o primeiro a ser lançado pelo novo estúdio dele, White Owls Inc. (vão dando uma espreitadela ao progresso do The Good Life, que parece bom!). Traz de volta os Americanismos a que estamos há muito habituados. É um puzzle-platformer de horror com uma mecânica diferente do habitual, e a coisa especialmente interessante sobre este jogo.
J.J. Macfield, a nossa personagem principal, vai acampar com Emily, o seu interesse romântico. Quando a Emily desaparece, J.J. vai à sua procura e a caminho é atingida por um raio. E com isso descobre algo: J.J. não consegue morrer, e para chegar a certas plataformas ou passar por certos sítios, ela precisa de se magoar. Ela consegue perder braços e pernas, atirá-los a certos sítios, ou usá-los como pesos. Ela automutila-se, destas maneiras e muitas outras, para conseguir encontrar Emily. São muitos os desafios, e há vários inimigos que podem tanto ajudar como impedi-la de prosseguir, criando situações tensas entre puzzles e história.
Ninguém (vivo ou relevante) aparece enquanto J.J. continua a sua busca, tirando alguns vislumbres da Emily e de um doutor com… uma cabeça muito estranha. Todo o resto do enredo do jogo é revelado através de mensagens de telemóvel antigas que vão aparecendo no telemóvel da J.J. depois de chegarmos a certo ponto ou de termos apanhado um número de coleccionáveis – que são… donuts gigantes que flutuam, já agora. Ah, e também recebemos mensagens do… boneco de peluche da personagem principal.
Sim, é tudo estranho. Com o que nos dão, temos de tentar perceber o que realmente se passa. Os cenários, os monstros, as mensagens… tudo representa parte da história real. A única parte que nos é clara desde o início é a constante dor que a J.J. sofre. Nunca vemos nada explícito, pois o jogo esconde a figura dela cada vez que ela se magoa e revela apenas uma silhueta. No entanto, ouvimos bastante bem o que se está a passar: ossos a partir, carne a rasgar, a carne do pescoço a bater no chão quando ela é apenas uma cabeça a rolar… É a parte de horror mais efectiva do jogo.
É uma ideia muito interessante para um platformer, e adequa-se bastante bem aos puzzles que nos são dados e à história. Os problemas maiores vêm na sua execução mecânica: animações muito longas para acções que precisamos de fazer várias vezes, uma movimentação rígida para um jogo com acções que requerem alguma velocidade… mesmo os donuts, que nos habituamos muito depressa, tiram a seriedade e o medo de situações muito tensas como fugir de alguém.
Visualmente, o 3D faz jus às ilustrações de SouSou (que fez a arte conceptual deste jogo) e que é absolutamente linda. A estética shojo contrasta muito bem com a realidade macabra do que se passa e faz com que seja difícil de esquecer que acabamos de arrancar um braço. Onde consegues chegar ou saltar fica fácil de perceber em contexto com outros objectos (não é mau), mas às vezes há situações em que as plataformas e ferramentas que podemos interagir estão demasiado bem marcadas (pode ser mau). Como alguém que jogou na Switch e que gosta de consolas portáteis, tenho apenas algo a apontar (e isto é um problema que senti com outros jogos como o Psycho-Pass – Mandatory Happiness quando joguei na Vita): o texto não é legível da mesma forma num ecrã pequeno e num ecrã grande. Um ecrã de 6.2 polegadas não pode ser tratado da mesma forma que uma televisão, ou um ecrã de computador.
A banda sonora é adequada, na sua maioria. Ou encaixa no tema, mas é subtil o suficiente que não se destaca sobre o design sonoro, ou é completamente fora de contexto que dá a volta e ajuda a amplificar a surrealidade do jogo. É aliado a vozes que variam entre estranhas e hilárias (para o mau) a aterrorizantes.
E a história é boa, mesmo com uma escrita às vezes pouco natural. É bem tratada para os temas pesados que tem. O final é talvez demasiado irrealista (surrealidades à parte) dado tudo o que aconteceu, mas dentro do género de outras histórias que tratam do mesmo assunto, esta ganha por ser diferente. Por ser sensível à realidade. E sei que é vago, mas há pouco a dizer que não revele o final do enredo.
The Missing: J.J. Macfield and the Island of Memories é definitivamente uma experiência que recomendo a quem gosta do nicho em que se encaixa. Está disponível para PC, Playstation 4, Xbox One e Nintendo Switch.