Estás nervoso, ansioso até. O que se esconde ao virar da esquina é mais que suficiente para fazer a tua espinha gelar. Encostas-te à parede. Inspiras fundo e contas até três. Saltas do teu esconderijo para entrar na sala onde toda a gente está a jogar. Tomas o teu lugar. É-te narrada a acção. Dizes o que pretendes fazer. Os dados são-te entregues e tu lança-os, garantindo o teu sucesso. Nos momentos que se seguirão, não te vais aperceber, mas tudo o que te atormentava recuou para o abismo de onde emergiu.

Todos temos algo que tememos. Todos temos algo que nos preocupa. Varia apenas no grau de debilitação que afecta o nosso quotidiano. Tanto pode ser um ligeiro nervosismo movido por algo que está para acontecer, ou uma total crise de ansiedade que sabe-se lá há quanto tempo é que perdura.

Acabamos por procurar refúgio na rotina, na nossa zona de conforto, e nos vários meios que temos dispostos à nossa frente para trazer um pouco mais de estabilidade e de alívio às nossas vidas. Em casos extremos, procuramos ajuda de profissionais.

Há várias actividades lúdicas que são apresentadas como alternativas viáveis na concretização deste objectivo. E é neste parâmetro que os jogos narrativos prometem não falhar.

Pessoalmente, defendo que os jogos narrativos são uma ferramenta fantástica de um ponto de vista terapêutico numa variedade de casos, desde problemas de auto-estima a casos de Depressão, Ansiedade e Transtorno do Espectro do Autismo. O principal factor que permite este tipo de dinâmica reside na possibilidade de assumir o papel de uma pessoa que não nós num mundo que pode não ser o nosso.

Neste exercício de projecção, de role-play, podemos deixar o nosso velho eu para trás, bem como os nossos problemas, nem que seja por umas horas. Podemos ver os mesmos através de uma outra perspectiva (a dos outros) ou ignorá-los por completo. Tudo depende do objectivo que cada um tem.

Temos o poder de assumir o papel de heróis ou de vilões. Podemos ter como objectivo salvar ou destruir o mundo. Tais demandas são complexas e intrincadas, propícias a atrair toda a uma série de complicações que superam por completo aquilo que nos apoquenta na vida real. Aqui temos a tal liberdade de os negar, de nos exorcizar a nós próprios destas maldições, apenas porque temos mais em que pensar. Algo que vai para além da nossa ficcional mas real existência. Ou, em alternativa, podemos abraçá-los, dar às nossas preocupações, às nossas ansiedades, a oportunidade de brilhar. A nossa personagem ficará com mais camadas, mais real e palpável, mais humana. Apesar de tudo aquilo com que já tem que lidar, tem ainda a sua vida pessoal e o peso que isso acarreta. Mas pode encontrar conforto na ideia de que não terá que lidar com isso a solo.

Temos mais pessoas à mesa, familiares e/ou amigos que estão connosco nesta aventura. E mesmo que se trate de uma mesa onde não conhecemos ninguém, não há problema nenhum porque as personagens conhecem-se e servirão de ponte para que os laços criados à mesa atinjam outras proporções.

Quiçá, estes nossos aliados também terão os seus próprios demónios e também encontram no jogo o conforto que precisam para os manter afastados. As dinâmicas de grupo em jogos narrativos são das mais completas que se podem encontrar. Só o simples facto de as mesmas se manifestarem na perspectiva dupla de jogador e personagem faz com que tudo escale. Todos damos um pouco de nós à nossa personagem, e descobrir que parte é essa que os nossos irmãos de armas depositaram nas suas é meio-caminho andado para os perceber.

Não há personagens perfeitas. Da mesma maneira que não há pessoas perfeitas. E é aí que se vê a mais-valia da interacção entre os vários membros do grupo, com cada um a complementar o lado menos bom, mais inexperiente dos restantes, ao mesmo tempo que se reforçam as áreas e habilidades que são do seu domínio total.

Todos têm tempo para brilhar à mesa de jogo e todos contribuem para que cada um tenha o seu momento, culminando numa história que irão partilhar. Uma aventura que ficará para sempre com eles, uma lembrança de que juntos fizeram o que mais ninguém acreditava que era possível (ao mesmo tempo que o queriam ver acontecer).

O Mestre de Jogo diz as últimas palavras e a sessão acaba. Olhares são trocados, olhares de quem mal pode esperar para retomar onde se ficou. Todos os problemas se dissiparam. Dormentes, algures. E mesmo que regressem, não temas, a próxima sessão está aí ao virar da esquina.