Anthem é um hino à ganância, orquestrado com muito amor e dedicação pela nossa velhinha BioWare. Será que vale a pena? Depende do vosso nível de fanboyismo. Vocês são crentes?

Há anos que a Electronic Arts (EA) encostou uma arma à cabeça da BioWare, pedindo que transformasse as suas obras de arte, nas quais trabalhou durante anos com dedicação e sacrifício, em máquinas de encher chouriços, usando fórmulas fáceis e gastas, se possível com retornos anuais de vira-o-disco e toca o mesmo.

O novo jogo da BioWare, Anthem, parece ser uma tentativa de entrar na carruagem das máquinas de fazer dinheiro fácil, as loot boxes. Imitando a fórmula de jogos de sucesso como Destiny e Warframe que abandonam a experiência central do single-player (modo de história para 1 jogador) para se concentrarem no grind PvE multiplayer (repetição de missões em grupo de 4 jogadores no intuito de melhorar o equipamento).

Todo o loot encontrado no jogo é obtido através do completar de missões, estando a raridade do loot associada ao nível de dificuldade. O sistema é bem familiar para os jogadores do modo multiplayer no Mass Effect. Este sistema abre a possibilidade à EA de implementar a sua forma de monetização preferida, as micro-transações. Os jogos cada vez custam mais dinheiro a produzir, mas a Willingness-to-Pay dos consumidores tem mantido-se bem fixa ao longo dos anos. Os sistemas de micro-transações têm permitido à EA encaixar resultados financeiros superiores ao valor das vendas inicial. (fonte: https://www.tweaktown.com/news/57475/ea-earns-1-68-billion-microtransactions-fy2017/index.html)

Especula-se portanto, uma vez que o jogo assenta num sistema de grind de loot boxes para obtenção de equipamento, que a longo prazo tornar-se-á uma oportunidade de receita extra demasiado boa para a EA deixar passar. Teremos de ver como será escamoteada esta monetização, possivelmente tirando partido do sistema de crafting ou vendendo multiplicadores de loot para usar durante as missões. De momento na VIP Demo a única oportunidade para gastar dinheiro no jogo é a obtenção de equipamento meramente cosmético. Esperemos que assim fique durante longo tempo!

Como fã incondicional da BioWare desde longa data, título granjeado ao longo dos anos por títulos como Knights of the Old Republic, Jade Empire, Mass Effect e Dragon Age, recentemente aprendi a refrear o meu entusiasmo por qualquer notícia que venha do Ocidente. É que a EA é alegadamente uma espécie de veneno que se infiltra irreversivelmente nas empresas, atrofiando e absorvendo qualquer vontade de viver das mesmas, obrigando-as inconscientemente a produzir obras amorfas e sem qualquer motivação a não ser os lucros. Desse modo, anuncia-se há muito tempo a morte da BioWare, sendo esta uma espécie de Dead Company Walking, à espera da sua vez nas celas do corredor da morte.

Apesar das reservas, e incentivado pelo entusiasmo de outros fanboys (entusiastas que se recusam a ver os defeitos dos seus criadores de jogos favoritos, uma versão geek dos adeptos do futebol) decidi dar uma hipótese ao novo Anthem. Anthem é um convoluto e difícil jogo de fazer marketing. Um novo IP, de uma companhia a tentar fazer um tipo de jogo que não é bem a sua praia, sob a trela de uma espécie de vampiro cibernético sem escrúpulos. Promete ser um multiplayer PvE, que também terá single player e crossplay, e já agora PvP também (nenhuma destas últimas disponíveis na Demo).

Por outro lado, a Demo, a 2 semanas do jogo ser lançado apresenta-se cheia de problemas. Juro-vos que não consegui lançar uma única missão sem ter de fechar o jogo e lançar novamente. Fica indefinidamente no ecrã de “Loading” sempre que tento entrar numa missão, ocupando 100% do CPU, coisa que não acontece quando saem do jogo e voltam a entrar. Seria de esperar que a solução era fácil de implementar, é só apagar o código que usam para entrar na missão e substituir pelo código que usam para lançar o jogo.

Muito engraçado foi também o problema que surgiu com o meu amigo, aquele que partilhou o código para a VIP Demo. Sim, quem efectivamente comprou o jogo. Aparentemente ele não estava elegível para jogar a VIP Demo, mas eu que era o borlista, estava. Para poder dar a volta, e sendo que o suporte da EA tem alegadamente a fama de ser uma espécie de parede caiada, ele adquiriu o jogo mais barato que encontrou na loja, um outro anzol para loot boxes chamado de Star Wars Battlefront 2 (sim, aquele jogo em que um Stormtrooper é mais rápido que uma bala).

Assim que consegui suplantar os problemas técnicos, o jogo surpreende pela positiva. O concept art e a sua implementação em ambientes 3D é impecável. Ninguém faz ambientes virtuais como a BioWare, e Anthem é um hino à mestria de Level Design, com mecânicas cuidadosamente seleccionadas. Por exemplo, o enigma dos símbolos na parede, a recolha das Orbs, o Insect Carnage e o Boss repugnante final.

A variedade de armas e Exosuits, bem como as opções tácticas, com inimigos variados e com pontos fracos seleccionados, as soluções dos mapas nalguns casos randomizadas. Em Fort Tarsis as opções de diálogo, a história interessantemente interligada com as missões. A lindíssima música ambiente.

Anthem é um hino aos tempos gloriosos da BioWare. A EA pode ter escrito a melodia, mas é nos detalhes de harmonização que Anthem brilha. Eu perdi horas a pintar o meu Mecha, e temos 4 para escolher. Cada um com opções tácticas muito diferentes, miríadas de armas aleatoriamente geradas disponíveis que providenciam em teoria infinitas opções tácticas para os esquadrões de amigos que queiram suplantar o jogo nos modos mais difíceis.

Este era um jogo que eu estava preparado para deixar passar. Mas os detalhes da implementação reacenderam o Fanboy que há em mim. Eu acredito em ti BioWare. Consigo ver o amor que as pessoas que aí trabalham dedicaram a este torto conceito.

No site da Origin se vocês tentarem adquirir uma licença do jogo, é-vos proposto, antes que consigam até mesmo visualizar o preço do jogo, que adquiram antes um passe anual que inclui praticamente todos os jogos da EA. Este passe custa 99€/ano, e podem adquirir mensalmente por 14,99€/mês. Ou seja, por 14,99€ vocês podem adquirir um passe que vos permite aceder durante um mês a todas as recompensas VIP, duma versão do jogo que custa 80€. É um excelente negócio. Certamente algum jogo da EA vale mais do que os restantes 20€. E quanto tempo estes jogos normalmente duram? Passado 1 ano depois de comprar o Mass Effect ou o Dragon Age eu raramente lhes pegava. Além disso a EA tem tendência a desvalorizar os jogos em 80% ou mais passado 1 ano, o que faria adquirir um passe um bom negócio mesmo na eventualidade remota de toda a gente estar a jogar Anthem daqui a 1 ano. 

Mas, sabem uma coisa, eu não quero um passe para a loja do Origin. Eu não quero jogar Battlefield, FIFA ou Sims. E sim, o Sea of Solitude tem muito bom aspecto. Mas eu quero ter o ícone do Anthem na minha loja, independentemente de estar a pagar uma mensalidade à EA. E sobretudo, mais que tudo, eu quero que a EA saiba que eu estou-me a borrifar para todos os seus money-grabbing devices.

Esta minha compra é irracional, reconheço-o. Mas é sobretudo um agradecimento aos conhecidos e desconhecidos trabalhadores da BioWare, que conseguiram, apesar de todos os problemas, criar mais um mundo que me despertou um sentimento profundo de admiração e imersão na pequena fatia vertical que joguei na VIP Demo este fim de semana. E que mais se pode pedir de um jogo?